Antes um conto de fadas tinha que ter uma frágil menina, de preferência, pobre e sofrida; que encontrava um lindo e forte príncipe. O príncipe podia ser um guerreiro, quase sempre solitário e triste ou ogro e grosseiro, que via sua vida transformada e iluminada pela doce e adorável donzela.
Crescemos com esse casal mítico dentro de nós. Cada um buscando no outro resquícios escondidos desse complemento que dificilmente se concretizava na vida real.
As mocinhas viraram princesas – o reino não é mais conduzido só por homens – e ao longo das últimas décadas, viraram valentes guerreiras, com personalidade forte. Continuam lindas e a maioria magra, embora possamos ter a vitória de que nem todas sejam louras e brancas.
Nesses novos tempos as princesas decidem se querem ficar ou não com o príncipe. Antes, elas tinham que esperar serem resgatadas, salvas e escolhidas por um. O feminino aguardando o masculino chegar e se manifestar. De tão cansadas de esperar, as princesas modernas resolveram tomar a dianteira e viver suas vidas, mesmo que seja sem príncipe algum.
Mulheres fortes ajudaram a criar homens fracos – será a vingança do feminino? – e muitos príncipes do casal mítico viraram sapos. Aos poucos as princesas foram se acostumando com os sapos. Até encontravam graça neles. Muitas se convenciam que com muita perseverança os sapos poderiam voltar a ser príncipes. Outras, cansadas de tanto insistir, aceitaram que eram sapos e sapos ficariam.
De seu lado, os homens só sabiam que não queriam voltar a comandar o reino sozinhos. Assim, durante um bom tempo vivemos em reinos domésticos comandados por mulheres endurecidas e mandonas que guiavam seus sapos companheiros.
Nada melhor do que a infelicidade para nos mover: começou a surgir um outro tipo de relacionamento. As mulheres mandonas associadas ao estereótipo de feministas masculinizadas deixavam suas armas de proteção e voltavam a sonhar com o amor romântico. Os homens aproveitavam a brecha e começavam a ganhar terreno no campo da autoridade doméstica.
Alguns casais criaram reinos onde a diferenciação dos papéis sociais do homem e da mulher é menor e, como consequência, o poder mais equilibrado – os que chamei de Sociedade Par. Outros, que por algum motivo gostam do modelo hierárquico que tem alguém com maior poder no topo; começaram a se reorganizar trazendo o poder masculino de volta à liderança.
Venho refletindo bastante sobre porque o modelo do poder hierárquico masculino que já demonstrou quão nefasto pode ser, volta a ter voz, força e é visto, com bons olhos nos dias atuais. Uma das hipóteses que tenho construído é que nós mulheres, quando não nos tornamos quase mães de nossos companheiros, ainda temos dentro de nós o ideal do homem forte e protetor. Aquele que guia e conduz. É tanta nossa vontade que esse mito se realize nas nossas vidas que negamos o risco de voltar a sermos submissas, resultado da dependência financeira prolongada.
Estava pensando nesses modelos de relacionamentos quando eis que surge um novo príncipe e sua, digamos, princesa feminista para nos mostrar que homem forte, diretivo e decidido pode ser doce e romântico; e que mulher doce e feminina pode ser forte, independente e ter posicionamento firme enquanto a equidade de gênero. E que ambos podem viver um amor com poder mais equilibrado entre ambos, com menos diferenciação nos papéis sociais do homem e da mulher.
Fico feliz pela repercussão do noivado do Principe Harry e Meghan Markle. Ele, o filho rebelde, engraçado e ativista da lendária Lady Di. Aquela que ousou confrontar a, até então, rígida monarquia inglesa. A que candidamente admitiu que traiu o príncipe herdeiro numa famosa entrevista e manteve, mesmo assim, o povo inglês, e o mundo, aos seus pés.
Ela, uma atriz americana, divorciada, feminista, filha de mãe negra com pai branco. Ativista, usa o palanque para chamar a atenção sobre a desigualdade de gênero, sua principal plataforma, e a econômica.
Segundo eles, foi esse um dos pontos que os uniu. A visão de mundo ativista, o desejo de aproveitar o poder para inspirar e gerar mudanças no mundo. Espero que esse conto de fadas seja longo e feliz, e que possa servir de inspiração para tantos jovens casais.
Foto: Instagram/@kesingtonroyal
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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