Há algum tempo escrevi sobre a necessidade da pausa para o encontro conosco mesmos. De como ela é importante para evitarmos cair em trilhas conhecidas pelo hábito e pelo conforto da experiência acumulada. De como o novo precisa de tempo, de decantar as experiências vividas para surgir como um impulso natural.
Cada pessoa tem sua maneira de ouvir esse impulso natural e nutri-lo. Para mim funciona na solitude e em contato com o belo. Embora o conceito de solitude seja associado à solidão na língua portuguesa quero trazê-lo aqui com o significado que possui em outras línguas e que representa o tempo e espaço em que podemos ficar conosco, sozinhos, sem tanta interferência externa, sem a fala desmedida que encontros mais animados promovem. É o tempo e espaço para nos entender, nos ouvir, nos nutrir e nos realinhar.
Esse tempo pode ser ocupado pela meditação ativa, nome que dou para atividades como costurar, cozinhar, arrumar gavetas, limpar a calçada, pintar a parede… Tudo de preferência com uma boa música de fundo e não grudada aos ouvidos – precisamos de estar presentes e não desconectados. O foco na atividade distrai a mente sempre falante e permite a alma se manifestar. A meditação ativa a identifico como o tempo de solitude necessário para o entendimento, um dos primeiro passos que fazemos na pausa.
Depois, podemos utilizar o tempo e espaço da solitude com a contemplação com o que é belo para nós. O belo pode ser a natureza, exposições de arte, caminhar pelas ruas e perceber a arquitetura que nos rodeia. Pode ser ir a parques mais próximos e observar crianças brincando e idosos interagindo com elas e se enternecer com essas duas polaridades da mesma essência que é a vida. Não importa o que você considere belo, mas ele é fundamental para relaxar tensões, suavizar dores, curar feridas.
O belo amplia, cria novas perspectivas tirando-nos do estreito da vida, do aperto que vivemos ocupados com nosso futuro, com planejamentos meticulosos que foram gerados pela crença da escassez. Ou da constatação de todo o ruim e destrutivo que conseguimos criar na sociedade como seres humanos. Sei que há muito a ser feito no mundo, que a situação econômica anda difícil, que a dor existe; mas também sei que ficar na dor entristecem o coração, deixando-o pequeno. E quando o coração está pequeno, tudo fica menor. Tudo fica restrito.
O belo é abundância. É força geradora, inebriante, apaixonante que nos faz expandir e crescer. Contemplar o belo é o tempo e espaço da solitude utilizado na expansão para o novo florescer. Quando nos permitimos ficar sozinhos no silêncio que abre caminho para o diálogo interno, buscando, observando e se entregando para o belo em nossa volta, deixamos fértil o terreno que a pausa sabiamente utiliza para chamar o novo nas nossas vidas. Estamos entrando no tempo de primavera, deixe florir a sua alma para depois poder entregar para o mundo a sua beleza.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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