Visitar os lugares históricos e museus de Londres significa entrar em contato direto com o poder. Um poder austero, sem afetação. E talvez por isso, parece bastante consciente da sua abrangência e força. De não haver muito espaço para a ilusão que costuma acompanhar o poder. Difícil não sucumbir a esse tipo de poder.
Um poder afetado sempre nos alerta sobre o possível exagero, sobre a farsa, consciente ou inconsciente, que existe na afetação. Um poder austero e sóbrio nos parece mais real. Mais crível. Especialmente no caso da Inglaterra, onde toda a narrativa construída para sustentar seu poder tem séculos de existência. Os principais fatos históricos do Ocidente foram narrados sob a perspectiva dos países colonizadores. Uma narrativa persistente e muito bem construída que moldaram nossa noção de realidade.
raças à consciência dessa construção de narrativa que caminhei e visitei uma Londres que considero fascinante. O distanciamento que desenvolvi não me impede a admiração e o reconhecimento pelas maravilhas que essa cultura nos ofereceu e oferece. Assim, ao admirar as joias da coroa não pude deixar de pensar nas pedras preciosas retiradas da África e o valor pago por elas. Olhar para a qualidade de vida londrino – e aqui me referindo aos critérios básicos e não subjetivos – e comparar com a qualidade de vida dos países que eles colonizaram. Ouvir os vídeos de discursos da rainha falando da chegada em terras “inabitadas”, sem cultura, ignorando claramente os milhares de seres humanos ricos culturalmente que já habitavam esses territórios.
A importância em ampliar o leque de narrativas é vital para um olhar mais crítico e colaborativo nos dias de hoje. Lembro quando estive no norte da Itália há quase 20 anos, a então recente imigração legal e ilegal de africanos era notória e incômoda para a boa parte da população. Num jantar começamos a discutir sobre o assunto. Tinha acabado de passar uns dias em Viena onde a minha anfitriã, austríaca, tinha comentado o aumento de peruanos na cidade e como a cidade estava mais suja e com maior quantidade de furtos desde então. Mesmo sendo peruana, concordei. A minha lógica de realidade coincidia com a dela: quem migra ilegalmente é pobre. E pobre é sujo e rouba. No jantar, na Itália, coloquei essa perspectiva de realidade, agora sobre os africanos. Para minha sorte, essa noite ouvi uma outra possibilidade de narrativa sobre o mesmo fato: como o destino se estava encarregando de cobrar dos colonizadores, extratores de riquezas, o abuso sobre os povos que hoje estavam aportando nas suas terras em situação de pobreza.
Estar na terra da rainha é aprender e ao mesmo tempo buscar desaprender. É observar a perspectiva colonizadora, que em muitos casos se considera benevolente na sua posição de superioridade; e ao mesmo tempo descobrir uma Londres pulsante, sustentável e isonômica. Lados de um mesmo mundo que se confronta e se questiona. Que respeita seu passado e mira seu futuro com olhar inovador sem modismos. Usando toda a força que seu poder é capaz de lhe dar.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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