Desde jovem me questionava sobre o porquê um casal continuava junto sendo infeliz. Por ser uma pessoa observadora, desde pequena cresci notando casais assim. Lembro que ouvia as mulheres reclamarem seriamente de seus maridos.
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Ouvia os homens meio brincando, meio de verdade, lamentarem o fato de estarem casados. Via a reação das mulheres e, mesmo sem entender totalmente, notava que a frase dita pelos maridos, tinha base de verdade. Lembro que isso me fazia pensar sobre o que realmente significava o casamento para boa parte das pessoas. Era realmente por amor?
Cresci e fui entendendo melhor os mecanismos que nos fazem agir no mundo. De como o casamento é um estado social ao qual somos programados desde pequenos. Compreendi que não é somente o amor que une duas pessoas. De como, o casamento pode ser uma fonte de renda para todas as classes sociais. Tanto para pessoas de classes sociais mais baixas, que se unem cedo para poder pagar suas contas; como para pessoas mais ricas, que se mantêm casadas para não dividir o patrimônio ou porque um dos dois depende financeiramente do outro
Entendi que a pressão social é forte e avassaladora. Quanto menor for a nossa bolha social, maior a pressão. No quesito casamento, a pressão social por casar-se e por manter o casamento é invencível quando são pessoas criadas para ter uma imagem pública de perfeição. Para elas o sacrifício de viver infeliz de certa forma vale a pena. Às vezes sinto que é uma quase competição que estas pessoas fazem com os demais.
Vale tudo para serem vencedoras. Até sofrer.
Lembro de uma entrevistada que me contou que seu marido pediu para se separar. Ele disse que tinha uma outra pessoa. Ela já sabia. Quando descobriu sofreu, mesmo assim preferiu fingir que não sabia. Esperava que fosse passageiro. Mas não foi. Quando o marido veio lhe comunicar a separação ela fez toda a pressão possível – usando os filhos inclusive como tipo de chantagem – para convencê-lo do contrário. Perguntei a ela por quê. Vieram diversos motivos. Normalmente mencionando os filhos como os principais deles. Mudei o rumo da entrevista. Na medida que ela ia falando de outros assuntos e momentos da sua vida, pude notar como dava importância ao que a sociedade irá falar sobre ela.
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Voltei ao assunto da separação e trouxe o contexto da opinião pública na nossa conversa. Ela não conseguia reconhecer. Mesmo assim, entendia que era seu papel manter a imagem de família feliz. Que isso era importante para seus filhos, para seus pais, para a família de seu marido. Aprofundei mais: perguntei se realmente ela achava que fingir um casamento feliz faria bem aos filhos dela. Se era esse exemplo que ela queria deixar como legado aos seus filhos. Ela calou por um tempo e depois me respondeu que um bom legado seria eles saberem que se deveria fazer de tudo para manter a família. E que estava honrando a família dela ao ser vista na sociedade com alguém com um casamento perfeito. Perfeito?!
Entendo o componente religioso que às vezes há neste posicionamento. Por outro lado, me pergunto por que alguém dá tanto poder à sociedade? Por que cede sua própria vida ao que dirão?
Qual é o motivo, quase competitivo, de ser vista com perfeição e vencedora?
Está competindo por que e contra quem? Será que essas pessoas não se dão conta que todos notam a infelicidade do casal? Chega a ser ingênuo. Será que não se dão conta que essa situação só satisfaz a pessoas iguais a elas – que fingem uma felicidade e ficam menos incomodadas quando vem que não estão sozinhas nessa infelicidade?
Resistir à pressão social sobre nossas vidas faz parte de nosso crescimento e amadurecimento. Separar o que é do social e o que é nosso, nos permite viver com maior autenticidade e buscar o nosso bem-estar. Só que para isso acontecer, precisamos ser fortes o suficiente para estar fora do padrão social. Precisamos acalmar o desejo de aceitação que temos do outro. Necessitamos parar de competir com a vida.
Alimentar nossa baixa autoestima com vitorias aparentes só nos deixam mais fracos e dependentes.
Reconhecer que o que os outros falam de nós, nem sempre é o que somos. Reconhecer, aliás, que o que as pessoas falam sobre as outras, a maioria das vezes, é falso.
Sempre me pergunto quando vejo homens e mulheres mantendo relacionamentos difíceis e que fazem mal a alma, o que faz uma pessoa passar boa parte da vida aceitando ser maltratada ou rechaçada, sendo infeliz numa relação em que é claro que o outro não irá mudar? Sei que uma das grandes chances é autoestima baixa. Outra é ter sido criada num ambiente em que todos fingem.
Se aprende a fingir e vai se administrando a vida de outras formas. Mantendo as aparências, pousando como casal feliz perante os outros. Uma pena que ao fazer isso ensinam os filhos a manter essa herança de infelicidade. Será que vale a pena?
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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