Acompanhei a polêmica sobre a festa da Donata Meirelles com tristeza. Tristeza porque me toca perceber como as pessoas têm se fechado em bolhas fazendo leituras sobre as outras, com pouco ou nenhum conhecimento real. Partem, comumente, de conceitos espalhados que ajudam a gerar preconceito. Esses conceitos criam uma ideia de mundo, que a imaginação humana alimenta com detalhes, aumentando o distanciamento entre as bolhas e gerando, muitas vezes, raiva.
Não conheço Donata pessoalmente, somente a sua trajetória ligada à moda. E mesmo nesse tópico, acredito que conheço seu trabalho superficialmente. Não tenho nenhuma simpatia ou antipatia por ela. O que já li a respeito dela me faz imaginar que ajudou a estreitar as relações das principais marcas de alta costura internacionais com o Brasil. Também imagino que viva num ambiente com visão de mundo distinto do meu. Não sei se opostos, mas distintos.
Mesmo imaginando o mundo em que vive e frequenta, e sabendo que a moda em si, se alimenta do sonho glamuroso; creio pouco provável ela ter feito uma festa de aniversário de cunho, que eu classificaria, racista. O que eu enxerguei ao saber da festa, é que parece uma pessoa totalmente desconectada do momento social. Alguém que vive na sua bolha, e dela se retroalimenta. Assim, desconhecia ou menosprezou a susceptibilidade que está latente na sociedade. E, em minha opinião, susceptibilidade justa e compreensível em razão de todas as dores que têm vindo à tona, por anos de racismo e abusos.
Discordo das pessoas que consideraram que houve usurpação de símbolos africanos – a festa, pelo que eu li, foi ambientada com símbolos do Candomblé, miscigenação comum na sociedade baiana. Me lembrou o caso da moça branca que foi acusada, dentro de um ônibus, de apropriação cultural por estar usando um turbante com formato africano. Depois soube-se que era paciente de tratamento de câncer e o turbante era uma forma criativa de encobrir a queda de cabelo. Apropriação cultural fazemos há séculos. Os talheres, a forma de dançar, se vestir. Tenho uma visão de mundo mais fluida e sem tantas barreiras. Até porque acredito que só usamos o que gostamos e admiramos.
Mesmo assim, discordando, compreendo quem briga pela apropriação cultural. Quem acusou a Donata de racismo. Há tanta dor que precisa da firmeza e, muitas vezes, ir além da conta para conseguir o sonhado equilíbrio. A equidade. Faz parte do movimento pendular para chegarmos a outro estágio social. Só quem foge ao padrão colonizador de branco, homem e heterossexual – e podemos aqui somar urbanos, com educação formal, casados… – sabe o quanto é difícil ser diferente numa sociedade carregada de preconceitos.
São pequenos ou grandes gestos diários. Olhares e atitudes que vão machucando dia a dia a autoestima. Faz parte do poder conviver, ignorar. Não enxergar. Fingir até para nós mesmos. Só que os tempos estão deixando à tona cada detalhe escabroso do nosso comportamento social. Ai, fingir não dá mais. E a dor fica latente. É assim que vejo hoje a sociedade. Num momento importante de cura, que exige delicadeza e cuidado com cada ato para com o outro. Como Donata e a Vogue publicaram, estão aprendendo com o ocorrido. Creio que todos nós.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
2 Comments
Nany, concordo com suas palavras a respeito desse episódio. Nao se pode viver em bolhas mais e não sem considerar o momento que vivemos em nossa sociedade.
Sem dúvida Marcos. Vivemos num mundo cada vez mais conectado e precisamos estar atentos.
beijos
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