O outro lado da diversão é a fuga. É aquela que não se trata de uma celebração, de sair para encontrar amigos queridos, comemorar algo ou ir dançar pelo simples prazer de remexer o corpo. De certa forma, em maior ou menor frequência todos fazemos isso de vez em quando. Nem sempre estamos preparados ou com disposição de enfrentarmos nossos “monstrinhos” (que muitas vezes estão acompanhados da solidão). Então vamos em busca de algo que vem de fora, que nos faça esquecer a realidade por algumas horas.
Claro que nestes momentos estamos inconscientes e distantes do sentir, caso contrário, não entraríamos nessa. Como diz os versos do cantor e compositor Lobão:
A cidade enlouquece em sonhos tortos
Na verdade nada é o que parece ser
As pessoas enlouquecem calmamente
Viciosamente, sem prazer
A jornalista Kika Salvi relatou no seu livro Kika, a estranha uma série de passagens sobre os momentos de fuga e solidão que viveu após a sua separação, especialmente nos fins de semana que suas filhas estavam com o pai. Em uma de suas narrativas ela diz:
Estava no samba-rock dominical; meus ouvidos são só zunidos depois do exorcismo. Oscilei muito lá dentro, não sei se embalada pela sensualidade da música ou pela vibração pulsante do lugar. Senti impulsos levianos à autocomiseração. Primeiro, animação: não se pode ficar indiferente à energia contagiante do lugar. Depois, assanhamento, diante de hordas de homens bonitos, ou quase-homens (dada a tenra idade dos moçoilos), cheios de volúpia e urgência. Daí, ponderação, com um grande “por quê” no pensamento – afinal, já não terei passado da idade de me atirar irrefletidamente à demanda dos sentidos? E, por último, judiação – me senti patética naquele meio, tentando fazer de conta para mim mesma que sou capaz de ser feliz à revelia de tudo o que estava passando. Então o show se amorteceu e latejou o desconforto (estou bêbada…).
Quem nunca, afinal, teve seus momentos de fragilidade e não buscou na diversão pela diversão a solução para um momento de paz? A sorte, eu acredito nisso, é que o tempo é sábio e nos torna mais conscientes de que fuga não é, na realidade, diversão. Além disso, o corpo já não tão jovem, tem lá seus limites. Como diz meu companheiro: Hoje em dia não fico mais de ressaca. Fico donte. E como adoecer não é exatamente o que se quer, a gente pensa duas vezes se é melhor a fuga ou o encontro com os nossos monstrinhos mesmos.
Isso não significa que não é bom entregar-se a momentos gostosos e animados. Divertir-se é fundamental, mas antes de começar pergunte para o seu coração: isso é fuga ou celebração? Tenha certeza que ele lhe dará a resposta.
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