Entanto o mundo dava milhões de likes ao discurso enérgico de Oprah na premiação do Globo de Ouro perante uma plateia com mulheres vestidas de preto em referência ao movimento #MeToo; o cantor Seal levantou a questão do que chamou de hipocrisia hollywoodiana publicando uma foto da Oprah beijando o até então todo poderoso produtor Harvey Weinstein, acusado de predador sexual de Hollywood. Foi acusado de machista por parecer apoiar Weinstein. Como Seal explicou depois, para quem quis entender, ele não estaria criticando Oprah em particular, ou apoiando o produtor, mas denunciando que toda Hollywood até faz pouco concordava e até usufruia do sistema de poder reinante.
Quem está certo, quem está errado? Qual é o lado a ser incentivado? Refletir sobre isso me levou ao pensamento de Hannah Arendt e seu fenomenal livro “Eichmann em Jerusalem, um relato sobre a banalidade do mal”; um livro obrigatório para entender como pessoas comuns, como nós, podem se tornar colaboradoras do mal. Para quem não se lembra, Adolf Eichmann foi o burocrata alemão que organizou a deportação de milhares de judeus para os campos de extermínio. Arendt acompanhou seu julgamento por encomenda da revista The New Yorker. Na medida que ia analisando esse homem, ela foi construindo uma das bases mais sólidas e relevantes para o entendimento humano e dos governos Totalitaristas na nossa era.
Creio que é claro para a maioria das pessoas, que Hollywood é um ambiente onde o poder reina. Só olhar os símbolos que a sustenta. Assim, podemos entender que todos que nela participam, de alguma forma, se submetem a esse poder. Exercer o poder também é uma forma de se submeter a ele. Opressores e oprimidos criam um sistema que se retroalimenta. Nesse contexto podemos entender que a ambição tenha feito muitos e muitas aceitarem situações de abuso e intimidação. Quem subiu deve ter aprendido a fazer uso do poder. Quem não conseguiu lidar com esse sistema, provavelmente não faça parte de Hollywood.
Vamos sair dos palcos e entrar na nossa vida cotidiana: de certa forma, com menor ou maior grau, não é o que acontece em algumas organizações públicas e privadas onde o Poder Sobre reina? Todos nós já vivemos algum momento de tensão em que fomos sumetidos às garras do Poder Sobre. Por que aceitamos? Por que não delatamos? Por que contribuímos com nossa talvez omissão para que esse sistema nocivo se mantivesse? Por que o sistema reinante estabelecia que era assim mesmo. Mulheres e homens cansaram de sofrer assédio e fingirem que não se davam conta. Aprendemos a dar menos importância a esses atos até ontem incômodos, e hoje abusivos, para continuar. O que mudou? O contexto. O que consideramos natural. O que é banal, como Arendt explicou. Para poder lidar com o mundo tendemos a naturalizar as coisas e suas regras e compreendê-las como normais. Asssim, a maioria de nós, continua retroalimentando o sistema reinante até o momento que esse sistema rompe seu ciclo e um novo modelo se instaura.
Para mim, neste momento histórico, mais importante de que Oprah tenha sido ou não amiguinha de Weinstein ou Seal esteja levantando a bandeira da hipocrisia por ser ou não machista; é que os limites do sistema do Poder Sobre se romperam. Precisamos, todos que queremos e trabalhamos para um mundo mais equitativo e justo, nos unir para criar uma nova moral regente que determine uma nova forma de relações. Um novo sistema de poder: o Poder Para. O poder que não precisa da subjugação nem de algo menor ou embaixo para existir.
Como Mandela tão bem relata na sua autobiografia, faz parte das táticas dos governos Totalitários, o incentivo à polarização de ideias para dividir a força do povo. Vamos, portanto, dar menos importância àqueles que incentivam a divisão – rico x pobre, homosexual x heterosexual, machismo x feminismo, negro x branco, direita x esquerda… – e focar na construção daquilo que queremos para nosso futuro como humanidade. Vamos parar de acusar a partir do passado, cujas regras regeram todos nós, e pensar para frente. É hora de união para ter a força necessária para expelir para sempre o Poder Sobre.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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