Uma semana na Índia e alguns conceitos sobre a nossa realidade do Ocidente vão mudando. A Índia é bagunçada e empoeirada. Afinal, estamos falando de um país com 1,339 bilhão de habitantes (2017) num território que corresponde a menos da metade do Brasil. Fatos que promovem uma poeira e poluição insistentes. Ao mesmo tempo eles cuidam da beleza como poucos países que conheci até agora. O motivo é a crença de que a energia positiva se acomoda melhor nos espaços belos.
Mesmo nas ruas mais simples ou vilarejos, as mulheres estão de pulseiras, brincos e colares. Os homens, arrumados. Ao seu modo, claro. Apesar da miséria latente, não percebi desleixo. Quase todos os locais têm flores e enfeites. Percebe-se um cuidado nos detalhes no meio do caos. No meio da pobreza. Sem dúvida, a Índia gira em vários tempos diferentes simultaneamente. Entre a loucura e o crescimento galopante que o desenvolvimento traz – e a atenção para ser gentil e não ofender.
A beleza deve ser um valor tão relevante para os indianos que está incorporada na sua forma de ser. Ela é transmitida por todos, sem exceção, em qualquer momento. Mesmo quando eles não querem algo, não transmitem rispidez ou grosseria (pelo menos, até agora, não o fizeram) – reações que infelizmente são comuns no Ocidente.
Talvez o conceito de castas explique por que as pessoas gostam de servir. Notei alegria em cada olhar quando conseguiam entender e atender a um pedido. Sempre um sorriso. Sempre um olhar doce. Sempre atenção. Se você olha para algo, imediatamente eles querem te oferecer, atender, explicar, perguntar sobre teu interesse. Meu marido comentou que a capacidade de concentração do povo indiano os ajudou a terem sucesso com tecnologia. Se esse não for o principal motivo, pelo menos ajudou muito.
É pela atenção e capacidade de concentração que eles são maravilhosos artesãos. Pinturas feitas com pó de pedras preciosas; madeiras, ossos talhados ou mármores incrustados; tecidos bordados minuciosamente. As mãos indianas vão envolvendo o mundo com seus movimentos delicados e harmônicos.
É claro que existem camadas de Índia. Existe a Índia que ocupa o primeiro lugar em casamento infantil (embora seja bom lembrar que o Brasil vergonhosamente ocupa o 4o lugar no mesmo ranking), segundo a UNICEF – dados de 2018. A Índia em que o pai mata a filha por ela querer estudar. Existe. Tudo misturado. Tudo ao mesmo tempo.
A Índia é constituída por vilarejos, talvez milhões deles. Onde as crenças ancestrais teimam em persistir competindo com celulares e dezenas de novelas que Bollywood jorra todo ano. Como o resto do mundo, a Índia também está em ebulição.
O antigo com o moderno. O conservador com o progressista. A fluidez do hinduísmo com o radicalismo de outras religiões. A Índia é um pouco do mundo que somos e como estamos. Num só país. Num só território. Que bom que há beleza em todo esse universo. Que bom que, afinal, seja ela que reine acima de tudo.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
2 Comments
Nany querida você escreve como sente. Tão bem, tão envolvente, nos faz sentir também. Obrigada por compartilhar seu olhar, seu coração indiano. Namaste
Namastê querida Bia
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