O mundo corporativo valoriza a praticidade. Essa valorização foi crescendo à medida que a complexidade dos negócios aumentou, quando a dinâmica da globalização atingiu nosso microcosmo e a busca por lucro aumentou exponencialmente. Precisamos fazer mais com menos. Não dá tempo de se deter em todos os detalhes nem sofrer com as perdas que toda escolha implica (ou, se sofrer, temos que aprender a não deixar que isso se torne uma doença na nossa alma). Temos que escolher o melhor ou o menos pior. Rápido.
No ambiente corporativo, ter praticidade é uma qualidade. Especialmente porque exige olhar uma situação com clareza e distanciamento, para poder decidir e agir corretamente. Características que costumam ser associadas à frieza, especialmente pelos melodramáticos. Não que eles estejam errados: de certo modo, se seguirmos o raciocínio de que distanciamento causa esfriamento, há certa lógica. A questão talvez seja a negatividade com que classificam a frieza, dada a dramaticidade com que costumam olhar a vida.
O que acontece quando a praticidade corporativa é aplicada ao exercício da maternidade? É quase um crime. Por quê? Porque existe uma visão romantizada sobre o papel da mãe e a função da maternidade na vida de uma mulher. Aliás, visão romântica que costumamos ter sobre diversos aspectos da vida, mas que, no caso da maternidade, toma proporções extraordinárias. Digamos que a maternidade seja associada, por muitos, como o maior ou principal propósito de vida de uma mulher. Nesse contexto social, a praticidade aplicada ao exercício da maternidade pode ser vista até como uma falha.
Para as mulheres que trabalham no mundo corporativo e buscam crescer dentro da hierarquia da organização, não há, pelo menos até aqui, como não agir de forma prática no exercício de criar um filho. Delega-se, sim, boa parte das tarefas. Perdem-se diversos detalhes do dia a dia do filho e divide-se o cuidado e acompanhamento dessa criança, adolescente ou jovem adulto. Não há milagre. Fica-se horas ou até dias longe e, por mais interações que existam, há perdas. Seria melhor mãe se estivesse mais perto? Seria melhor se tivesse um emprego que exigisse menos horas de trabalho? Seria uma mãe melhor se pudesse viver o dia a dia com seu filho?
Não há respostas certas sobre o que não existe. Entrevisto mulheres há mais de 20 anos. Ouço e vejo de tudo. A relação de uma mãe com seu filho se define pelo papel que ela quer ocupar junto dele. A conselheira? A reguladora? A educadora? A provedora? A amiga? A engraçada? A que abre o mundo? Tudo isso junto? Emocionalmente, para essa mãe, o desenvolvimento do papel e seu êxito dependem de quanto está preparada para renunciar a partes que compõem o kit Ser Mãe. Precisamos fazer escolhas. E aceitar as perdas que elas acarretam. Uma mãe segura das suas escolhas – ou mais bem trabalhada psicologicamente em relação a suas perdas – costuma ser uma mãe mais equilibrada.
Como lidar com as perdas que a romantizada maternidade impõe? Com consciência e lucidez. O autoengano ou a não resolução podem levar à culpa. Carregar o fardo da culpa pode tornar tudo muito tenso e prejudicar, mais do que ajudar, esse ser humano a se desenvolver. Pela culpa, podemos errar com o excesso de complacência ou sofrer em demasia com cada evento perdido na escola.
Quero deixar claro aqui que a responsabilidade de gerar e criar um ser humano, para mim, é uma das missões mais importantes que carregamos na vida. Homens e mulheres. Portanto acredito que, decidindo ser mãe ou pai, temos a obrigação de nos responsabilizar por esse novo ser até sua vida adulta. Fazer o melhor por esse ser é fundamental. Meu ponto é a forma como levamos essa responsabilidade adiante. Também devo lembrar que a maternidade deveria ser uma escolha. Feita a favor dela, decidimos dividir mais ainda nosso tempo, abrindo mão de uma maior liberdade. Como um novo desafio corporativo, precisamos arregaçar as mangas e operar da melhor forma possível. Conscientes que é um desafio mais complexo por carregar juntos nossas emoções, possíveis traumas, expectivas, ideia de maternidade que temos, e, especialmente, a vida de uma criança.
Em ambientes de vulnerabilidade, as estatísticas mostram que uma mãe presente fisicamente faz diferença na saúde física, psíquica e emocional da criança. Fora desse aspecto social, acredito que depende do tipo de mulher que se é para saber se será uma boa mãe, independente de estar o tempo inteiro com o filho ou não. Há mulheres ótimas, outras são neuróticas, nervosas, egóistas, agressivas…
Quando pensamos numa mãe, logo pensamos numa pessoa saudável, feliz e bem-resolvida que irá criar um ser humano pacificamente, com harmonia e sabedoria. Quantas pessoas sábias e pacíficas você conhece? Algumas vão me dizer que o amor materno cura tudo. Essa é uma visão romântica. Concordo que o amor pode curar. Só que amor não está intimamente relacionado com o tempo de presença física, não é mesmo?
Voltando à mulher executiva que deseja crescer na hierarquia, ela precisa compreender que a ausência física será maior do que a presença. E que a presença física não será substituída. O que se perdeu por não estar presente perdido ficará. Compreendendo e aceitando isso com serenidade – ainda que com pesar –, ela poderá, maduramente, usar a praticidade para gerir sua relação e exercer seu papel de mãe com sabedoria. Poderá compreender, por exemplo, em que momento realmente é importante para esse filho a sua presença física. Em que momento deve parar tudo para ouvi-lo, conversar, abraçar. Ter uma mãe ausente em determinados momentos pode ser menos ruim do que não a ter por inteiro quando realmente precise dela.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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