Sei que é difícil falar sobre os Movimentos Humanos – as transições sociais de crenças e valores captadas pela behavior – como processos sociais que estão abrindo caminho para um mundo diferente – e não minha opinião melhor – após o bárbaro estupro que aconteceu semana passada no Rio de Janeiro mas realmente não tenho dúvidas que os valores estão mudando e trazendo à tona uma sociedade melhor.
O estupro, como todo tipo de violência, tem também a ver com poder. Durante séculos construímos o conceito de poder partindo de princípios que de alguma forma envolvem subjugação e força. Está claro na nossa sociedade que ainda hoje temos o conceito de poder associado a uma força sobre algo ou alguém. No Movimento Humano Poder Isonômico, chamamos este tipo de poder como poder sobre, numa tentativa clara de facilitar a compreensão de conceitos mais profundos.
Neste tipo de poder, a força é avaliada pela quantidade de pessoas que estão sob seu controle e/ou influência. É o conceito mandatório de sociedades e empresas que valorizam bastante a hierarquia. Faz parte tanto de nossa estrutura de crenças que todos nós avaliamos, por exemplo, o poder de um executivo a partir do número de pessoas que estão sob seu comando. Quanto maior o número de pessoas, maior sua importância compreendemos. Como me disse um executivo numa entrevista: “de que vale o poder se você não pode mandar em ninguém?”. Essa é uma crença clara pertencente ao Poder Sobre.
Quando o poder sobre é realizado de forma respeitosa e harmoniosa, ele pode ser benéfico em diversos aspectos. A principal questão sobre esta estrutura de crenças, é que fomenta a dificuldade dos de baixo subir. Que seria do poder sobre se todos estivessem no mesmo nível?
No Movimento Humano Poder Isonômico captamos que boa parte da sociedade está mudando de foco: ao invés de ser o topo como objetivo, muitos optam em andar lateralmente ou mesmo fora desse circuito de poder. Eles seriam os loser (perdedores) como um outro executivo classificou as pessoas que desistem do topo. Para sair do exemplo corporativo lembro quando meu marido decidiu sair do mundo corporativo e deixar um alto cargo. Na época nos chamou a atenção o sentimento de perda que notávamos em pessoas próximas a nós. Compreendemos que esse sentimento transitava entre aqueles que gostavam de ter alguém perto com poder sobre o que lhes dava de certa forma status; e aqueles que viam a saída dele do mundo corporativo como uma queda do status quo associado ao poder, numa genuína preocupação pelo futuro do meu marido.
Casos como do meu marido estão virando rotina. Cada vez mais pessoas estão optando por não focar no topo numa estrutura hierárquica (de qualquer tipo não só a corporativa) e com isso o conceito de poder vem conjuntamente, se modificando. Nas nossas pesquisas está claro que nas estruturas mais tradicionais e conservadoras – normalmente topo e base da pirâmide sócio-econômica – o poder sobre ainda é soberano, mas nos núcleos sociais mais abertos às mudanças – as camadas entre o topo e a base da pirâmide – um novo poder vai se cristalizando: o poder para. Poder para fazer, criar, viver, ser, etc, etc, etc. Em suma o poder vai aos poucos se associando ao conceito de liberdade. E o conceito de liberdade vai se dissociando aos poucos da fluência financeira para se associar ao conceito de poder para transitar entre diversos ambientes, construir e vivenciar diversos pensamentos, modos, culturas, horários, rotinas…
Quanto mais poder sobre, mais estreita a possibilidade de diversidade. Numa sociedade com o conceito de poder associado ao poder para, seria mais difícil alguém ser estuprado e ainda, postar o fato nas redes sociais. Não faria sentido. Para acelerarmos as mudanças que já está latente em nós precisamos revisar internamente a nossa própria estrutura de valores em relação ao poder e identificar qual ajudamos a construir e consolidar. Por isso deixo aqui meu questionamento para reflexão: qual poder você valoriza e reforça?
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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