Desde que comecei a trabalhar, bem jovem, ignorante de quase tudo, tive ao meu lado profissionais de altíssimo nível. Diferenciados, com uma visão de mundo ampla e crítica, me ensinaram sobre a vida, a sociedade, muito além do trabalho técnico que tinha para desenvolver. Um desses mestres foi uma argentina firme e capaz de falar com propriedade de quase tudo. Lembro bem que ao vivenciar uma situação desagradável com o board da empresa que estávamos atendendo, no caminho de volta ela me explicou que ao redor do rei sempre tem uma corte que fará de tudo para ele continuar a acreditar a própria mentira. A cegueira dele nutre o poder da corte, e a corte nutre o ego do rei; dessa forma ambos nutrem um sistema que mais cedo ou mais tarde levará, especialmente o rei, para longe do que mais ambicionam: o poder.
Muitas vezes o rei é coroado quando se mostra valente e ousado, algo que a corte dificilmente consegue ser. A valentia do rei cresce na medida que o mito de herói é alimentado em torno de si. Acreditando ser o enviado dos deuses, seja lá qual for o panteão que escolheu, o rei assume todos os desafios do reino. E enquanto o inimigo vai recuando surpreso com a ousadia, mais ele se considera invencível. Outra característica desse modelo tão comum por ai nas organizações humanas – e não me refiro só as empresas – é que a corte nutre o rei com informações e dados cuidadosamente selecionados de um cenário controlado e, muitas vezes, desconectado da realidade.
Existem vários caminhos para que esta situação se instale, mas a maioria começa com uma grande ambição e um ego que facilmente se perde na vaidade. A ambição numa pessoa brilhante – estes reis costumam ser – somados a um caráter questionável favorecem a criação de uma grande mentira em torno de si. Essa mentira é útil e necessária para se atingir os objetivos, ela faz parte do plano. Quando as vitórias vão se somando e a vaidade chegando, a corte vai se fortalecendo. Em algum momento que não sei dizer, o futuro rei começa a esquecer da sua verdade e acreditar na mentira que ele junto com os seus, inventaram. Nesse momento começa o início do fim. Pode demorar, mas na medida que o rei vai ficando descontrolado, a própria corte que ajudou a colocá-lo nesse lugar, começa a se reorganizar. Como disse o Capitão Nascimento, personagem do ator Wagner Moura no filme Tropa de Elite 2, o sistema sempre se reorganiza para se manter no poder.
Já conheceu histórias reais parecidas? Eu, várias. Impossível não olhar para os atos e gestos do Donald Trump nas suas primeiras semanas como presidente dos Estados Unidos e não lembrar de minha querida mentora argentina.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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