Nas minhas últimas férias explorei melhor a Califórnia e passei por São Francisco, cidade que queria muito conhecer. Havia alguns meses tinha lido o manifesto do prefeito da cidade, logo após a eleição do Donald Trump, que reforçava as diretrizes que continuariam a guiá-la. Aquele manifesto ajudou a consolidar em mim a imagem de São Francisco como um lugar aberto, para frente, livre, sustentável e mais humano.
De fato ela é mais livre que a maioria das cidades que conheço. O respeito às diferenças parece reger as relações. O uso da maconha é um belo exemplo. Lá é legalizada e por conta disso está totalmente presente em cada rua, em cada ponto. Num país como o Brasil, onde fumar é visto como démodé por boa parte da população e cheiro de cigarro incomoda cada vez mais pela falta de costume, o cheiro de fumaça de maconha não deixa de ser um incômodo. Fiquei pensando qual seria a diferença da fumaça da maconha com a do cigarro comum quando ela vem de encontro com o nariz de quem não fuma. O quanto a liberdade de um prejudica a do outro, por mais moderno e livre que pareça ser?
À medida que fui absorvendo a cidade fui entendendo o princípio da diversidade que parece reger São Francisco e, acredito, boa parte do estado. Califórnia hoje é um dos estados norte-americanos que mais trabalha pelo meio ambiente, pelo respeito aos imigrantes e, ao contrário do pensamento do Trump que associa sustentabilidade a perda de emprego e pobreza, possui o maior PIB dos Estados Unidos.
Mesmo assim, voltei ao Brasil com um pequeno desconforto que levei alguns dias para compreender. Para explicar esse sentimento é importante dizer que estou falando de impressões, algumas semanas não nos permite ir fundo no entendimento sobre os valores e crenças de uma cidade, muito menos de um estado. Entretanto, considero relevante refletirmos sobre o conceito de diversidade, apresentando meu ponto de vista.
Creio que em São Francisco e na Califórnia consideram a diversidade a partir da perspectiva da liberdade individual. O direito de ser deve ser respeitado como forma de convívio social. Sei que é óbvio porque isso representa um traço fundamental da cultura dos Estados Unidos. Mas sabe aquele óbvio que toma outra dimensão após o entendimento de quanto isso influencia o todo? Pois é assim que aconteceu comigo.
A diversidade que notei me pareceu distinta àquela que tenho comigo como alinhada à sustentabilidade e a biodiversidade que manteve o mundo vivo até agora: a diferença do outro, não só é uma questão de aceitação, de respeito, mas de necessidade. É por meio da diferença que conseguimos a completude. Ela nos torna maiores e plenos. Sem a diferença do outro seremos sempre menores e incompletos. Podemos ser mais ágeis, podemos ser mais focados, podemos conviver mais facilmente, mas, invariavelmente, seremos mais limitados. Nossa visão de mundo será mais restrita e específica.
Já falei aqui sobre a tolerância e como esse conceito tem um quê de prepotência por parecer que há uma permissão a ser dada por alguém sobre o outro alguém. Mesmo assim, a tolerância está associada à diversidade e compreendo que pode ser o primeiro passo para aceitar outras visões de mundo além da nossa. O que vai ampliando, queiramos ou não, nossa própria visão de mundo. Acredito que São Francisco e a Califórnia estejam bem além do primeiro sentido da tolerância, que é o respeito e a permissão da coexistência. Mas não sei o quanto a diversidade é vista como necessária e fundamental para a plenitude. E se essa plenitude é vista como melhor e vital.
Visitando Silicon Beach, perto de Los Angeles, com uns amigos queridos, lembro de uma frase que um deles nos disse: “aqui todos têm cachorro ou filhos pequenos”. Passeando no fim de tarde de bicicleta para assistir ao espetáculo do pôr do sol, andando por essas ruas com suas casas similares e levando uma vida muito parecida, como ampliar a realidade? Como não se iludir com uma realidade controlada? O mundo é maior, muito maior do que isso. Deixo aqui minha reflexão sobre nossa tendência a limitar, a controlar, a enquadrar. Devo confessar que ainda anseio por um conceito de diversidade que traga mais amplitude e que nos conecte com o vasto que o mundo e o ser humano possam ser. Não só porque é mais sustentável, mas também porque é mais rico, próspero, abundante, original e surpreendente. E porque não, mais divertido.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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