Temos falado sobre poder e qual é o novo poder que está se configurando nas nossas vidas. Neste texto trago esse tema nos relacionamentos amorosos felizes. Celebrei recentemente 11 anos de relacionamento, com muita felicidade, sem nenhum exagero nessa expressão. É comum que pessoas que convivam conosco perguntem qual é o segredo para vivermos esse amor feliz. Sinceramente, não sei se existe um segredo ou uma receita para dar porque cada pessoa é uma história, com suas expectativas, medos e sonhos. Num casal isso é literalmente multiplicado por dois e essa aritmética precisa dar um resultado harmonioso. Não é fácil. Nada fácil. Mas é possível.
Durante o final de semana refleti sobre tantos casos de relacionamentos que tenho ouvido ao longo de meus anos de pesquisadora. Pensei sobre meu e o que ajuda a obter essa tão desejada felicidade. O que fica claro – claríssimo vamos dizer – é que viver uma relação amorosa feliz é uma conquista obtida dia a dia. Consciente, esforçada e focada. Mas diferentemente do que associamos ao conceito de conquista, nesta, não há competição porque não há – ou não deveria haver – perdedor. E nisto penso que a relação-amorosa-feliz, se aproxima do novo poder, o poder isonômico que vivemos falando.
No novo poder, a hierarquia é menos relevante, o exercício de poder se faz sem subjugar. A conquista de uma relação-amorosa-feliz, pela minha experiência pessoal e meus estudos me mostraram até agora, está baseada justamente nisso: na isonomia, ou seja, direitos iguais mesmo entre seres bastante diferentes. Há o respeito às diferenças sem querer igualar o outro.
Descompromissadamente, criei alguns pontos aos quais credito a minha relação-amorosa-feliz: o primeiro é o desejo profundo que a relação dê certo e isso ser maior do que nosso ego. A auto-importância torna-se menor. Para deixar claro devo dizer que o que entendo por auto-importância é colocar nosso eu, nossa pessoa e persona na frente de tudo – nossas vontades, nossa opinião, a nossa “verdade”. Sei que isso é contrário ao que temos lido por aí. Nas últimas décadas a crença de “ame-se primeiro“ tem tomado conta de todo discurso de auto-ajuda. E ele é verdadeiro, porém, no caso de um relacionamento amoroso, o ceder, o deixar o ego de lado em prol do que é justo e correto para a relação, considero fundamental. E para aplicar e praticar a justiça, sem dúvida, o eu fica menor. Não tento convencer e impor o que eu quero, o que me deixa feliz, mas o que – com o distanciamento devido do meu eu – considero justo para os dois. Assim, ambos cedem nos seus devidos tempos e assuntos. E não há sacrifício nisso.
E aqui vem o segundo ponto fundamental na minha relação: não há vítimas. Ninguém se sacrifica. Não consideramos o sacrifício um honra, um valor, muito menos amor. Amor a dois não implica em sacrifício. Amor, para nós implica dar e receber, ceder sob a ótica que consideramos justo. Se é justo, não é sacrifício. São trocas. Aliás, há muitos anos uma mestre querida me explicou isso: o amor não necessita de troca mas de doação. O relacionamento sim precisa de troca. Compreendi que podemos amar profundamente e optar em não nos relacionar porque essa relação nos machuca. Compreendi também que se sacrificar por amor pode ser um vício, um forma que a pessoa tem para operar no mundo. E essa opção costuma ser bastante manipuladora. É uma forma de poder sobre, que implica em subjugar alguém.
O terceiro ponto, ligado, claro, aos anteriores, é que só estamos juntos porque essa relação nos faz feliz. É um círculo vicioso, estamos juntos pela felicidade que temos de estar juntos. Somos independentes, em todos os sentidos, menos na felicidade. Engraçado, não é? Tenho certeza que seria menos feliz sem meu marido. O foco, portanto, é a felicidade, não meu marido nem nossa relação. Mas para obter a minha felicidade preciso da relação amorosa com meu marido para tê-la. Então, como não cuidar desse bem tão precioso? Uso toda minha autonomia e disciplina para obter o que desejo, ou seja, pratico o poder para.
O quarto ponto que trarei aqui – de uma lista que fiz – tem a ver com o cuidado e o autoconhecimento. Para cuidar adequadamente precisamos nos conhecer e conhecer ao outro. Temos repetido aqui a necessidade de autoconhecimento para evolução. Entendendo aqui que a evolução significa para mim, ter maior capacidade de optar consciente o que traz tranquilidade, paz e felicidade. Aumenta nossa capacidade de amar.
Existem milhares de formas de autoconhecimento e, para mim, as mais eficientes, dependem da ajuda de terceiros. Penso que se autoconhecer sem a ajuda de um especialista, independente da linha de atuação, é não querer ir fundo no conhecimento sobre si mesmo. Respeito a opção, até porque compreendi que deva haver muita dor por baixo dessa resistência, mas também aprendi que essa dor é como um pus que fica latejando e infeccionando tudo ao redor. Uma hora vai ter que abrir e limpar, porque como disse Jung “o inconsciente quando não trazido a luz, vira destino“.
Boa semana a todos.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
2 Comments
Nany! Que texto maravilhoso, obrigada por compartilhar este saber tão especial.
Interessante.
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