Quem nunca ficou profundamente magoado, profundamente irritado, profundamente alguma coisa quando o companheiro, amigo, filho, irmão, funcionário ou seja lá quem for não fez algo exatamente do jeito que você esperava? Pois a primeira pergunta que me faço, nesses momentos é: “eu deixei claro o que eu queria?”. Sempre me surpreendo com a quantidades das vezes que a resposta é não! “Nem disse o que queria, quanto mais deixei claro!”
Tomei consciência disso da seguinte forma: durante anos chamei às quintas-feira do “dia da irritação”. Trata-se de uma bobagem (vou logo avisando). Eu tenho uma coleção de São Francisco e eles ficam numa prateleira na sala. Toda quinta a funcionária da minha casa faz faxina na estante e tira todas as esculturas do lugar para limpar. E toda quinta à noite, quando chegava em casa, a primeira coisa que me acontecia era olhar para a estante dos “chiquinhos” e ver que eles estavam todos fora do lugar e bagunçados.
Irritadíssima, reorganizava tudo, reclamando da falta de cuidado da moça. Isso aconteceu até o dia em que ela saiu de licença maternidade. Decidi que a substituta não colocaria a mão ali e passei a limpar a coleção aos sábados. Esqueci, durante 4 meses, a irritação. As quintas à noite voltaram a ser de paz.
Então ela voltou da licença e tudo começou novamente. Foi quando tive a “brilhante” ideia de perguntar se ela não percebia que eu sempre deixava as imagens mais ou menos com a mesma arrumação. Não que ela precisasse decorar a ordem correta, mas poderia deixar todos olhando para o mesmo lado, os menores na frente, enfim, fui orientando conforme queria que ficasse. Pois não é que começou a ficar certinho? Resolvi elogiar o trabalho dela, agradecer e dizer que estava impressionada com a sua memória, pois estava tudo tão certinho! Ela me olhou, deu um sorriso e disse: “Mas eu não decorei a posição deles. Tirei uma foto. Olha aqui no meu celular”. Uma bobagem, não? Eu avisei! Mas foi com esta bobagem que aprendi algo de muito valor: quando deixo de me irritar e passo a usar minha energia para dialogar, não só consigo resolver a questão como percebo que o outro vai realmente tentar atender ao meu pedido. E o melhor: esta regrinha básica serve para qualquer tipo de relacionamento.
Contei isso para algumas pessoas e depois esqueci o assunto até dias atrás, quando uma amiga me ligou. Ela estava empolgadíssima porque havia voltado com o marido. Não dei nenhuma atenção inicialmente, já que este casal vive entre idas e vindas. Mas aí ela disse que ligou para agradecer. “Mas agradecer o que, criatura?”, perguntei sem entender nada. Pois eu havia contando sobre os “são chiquinhos” para ela e a história fez com que ela se questionasse se o marido sabia mesmo o que ela queria. Não pensou nos grandes dilemas da vida, pois estes eles já discutiam sem parar, mas de coisas corriqueiras da vida a dois. Disse que nunca imaginou que ele não sabia o quanto “pequenas bobagens” a deixavam profundamente irritada. Ele, por sua vez, se mostrou completamente surpreso por, finalmente, após anos, ter entendido a razão por ela estar sempre tão raivosa ao chegar em casa.
Se vão viver felizes para sempre é outra história, mas ela sentia que tinham avançado depois disso. Disse a ela que deveria agradecer a São Francisco, pois ele é que andava operando o milagre de pacificarmos nossas relações ao dialogar. Demos boas risadas e foi um bom dia aquele. Talvez até fosse uma quinta-feira. A quinta da paz e não mais da irritação.
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