Uma das queixas mais frequentes que ouvimos das mulheres, tanto nas nossas andanças pelo Projeto Mulheres, quanto numa roda de amigas, é a cobrança frequente que tanto as pressionam. Esta frase é comum: “É muita pressão. Todo mundo cobrando, esperando algo de mim, me dizendo o que eu tenho que fazer”. De fato o mundo nos cobra: temos casa para cuidar, temos metas a bater, temos filhos para educar, temos os padrões de beleza nos cercando, temos a necessidade de sermos vistas, desejadas, amadas, temos que ser cultas, modernas, espontâneas, fortes, etc etc etc.



Também me sinto pressionada diariamente, mas semana passada tive a prova absoluta que a cobrança que mais incomoda, de fato, é a que vem de dentro. A maior pressão é exercida por nós mesmas. Somos inquisidoras perversas. Olha a cena: eu, de férias, num lugar quase sem conexão com o mundo, numa praia, numa casa muito confortável. O tempo ajudou: não estava nem muito frio e nem muito quente. Acordei cedo, coloquei meu tapetinho de ioga no meio da grama ainda molhada de orvalho. O barulho dos passarinhos e o mar ao fundo. Nada mais. Meu cachorro dormia calmamente ao meu lado, pois na sua imensa plenitude com a natureza, ele percebia que aquela era a forma mais perfeita de tranquilidade. Fecho os olhos, agradeço e começo a respirar. Apenas respirar. Esta seria a minha meditação. Dois segundos depois de começar a sentir uma sensação deliciosa de paz, minha cabeça começa a trabalhar: sou louca de estar aqui, preciso ganhar dinheiro, meu filho está longe há tanto tempo e eu não estou nem preocupada, meu cachorro está andando com os vira-latas deste lugar e vai ficar cheio de pulgas, meus pais estão a 100 km daqui e eu ainda não fui lá vê-los, eu não escrevi no blog, eu não agendei os pagamentos das contas do dia 15, eu não levei meus sobrinhos para passear, eu não fui caminhar na praia, eu não liguei para a menina que trabalha lá em casa para saber como está a filhinha dela, eu não fui ao supermercado e não sei o que vamos almoçar, eu ainda não terminei nenhum dos livros que trouxe e tenho uma caixa cheia deles, eu não liguei para minha irmã perguntando se ela vem para cá.…..CHEGAAAAA!


A cada nova cobrança, eu tentava mais e mais me concentrar na respiração e mais minha cabeça me cobrava. Então desisti e simplesmente fiquei sentada na grama. Veja bem…das coisas que citei,  apenas uma era verdadeira a ponto de me incomodar. Eu não escrevi nenhum texto para o nosso blog semana passada e, de fato, eu precisava ter feito isso. Porém todas as outras eram absurdas: eu estava de férias, portanto, as leis trabalhistas me garantem o dinheiro que eu dizia precisar ganhar. Meu filho está numa viagem incrível com o pai na Escandinávia. Meu cachorro está prevenido não só contra pulgas, mas contra mais um milhão de coisas porque todas as semanas ele vai tomar banho e fazem toda prevenção que ele precisa. Meus pais já combinei que irei almoçar com eles no fim de semana, e cá entre nós, eles estão tão velhinhos que nem lembram que eu havia combinado isso. Eu tenho o dia todo para caminhar na praia e para andar com meus sobrinhos pelos quatro cantos. Eu volto no dia 15, portanto, minhas contas vão ser pagas a tempo, a moça que trabalha em casa está de férias e imagino que ela não queira falar comigo, assim como eu não quero falar com meu chefe. Eu não preciso fazer almoço porque tem alguns restaurantes aqui por perto com peixes frescos e baratos, os livros que estou lendo são deliciosos, portanto terminar a caixa é o de menos e eu já havia combinado com a minha irmã que ela viria, ou seja, ela vai chegar. 


Então olhei para aquele céu azul, completamente inteiro ali em cima de mim e senti: isso sim que é meditar! Esta meditação me livrou da grande inquisidora que sou de mim mesma. Poucas coisas tem o peso que colocamos e, certamente, se você der um tempo para refletir, verá que as cobranças externas não são nada perto do quanto a gente se cobra. Lógico que responsabilidade faz parte da vida, mas aprendi, naquele momento, que tudo se torna mais leve quando jogamos a nosso favor e não contra. Muitas vezes nossas cobranças nos limitam e não nos deixam andar, agir, sentir. Sem elas nos perturbando conseguimos fazer mais, muito mais.


Para terminar, ainda naquele dia, colocamos o som bem alto ao cair da tarde e tocou uma música que dizia “perfeição demais me agita os instintos”. E não é?
A música se chama Carne e Osso, da Zélia Duncan. Na interpretação abaixo com Paulinho Moska: