Num primeiro momento a reação é de incredulidade: difícil acreditar que em outubro de 2016 ainda se pense no Brasil em educar mulheres para serem princesas. Para tentar entender imaginei que o conceito de princesa era embasado na Ana da Frozen, uma princesa linda, sensual, que abre mão da coroa pela liberdade mas que o amor – pela irmã e não por um homem – a faz retomar ao seu lugar no reino e fica sozinha e… feliz. Amei essa abertura de possibilidades para as meninas, mas o que mais amei de fato é como a história ressoou em milhões de meninas mundo a fora, o que demonstra claramente a mudança de paradigma que o feminino está vivendo.
Talvez seja por isso que a Escola de Princesas tenha surgido. Toda tendência gera uma contratendência, tão forte quanto. Faz parte do refluxo da sociedade que se sente mais segura com o conhecido, com o estabelecido, mesmo que represente o passado. Neste momento de transição as formas estão dissolvidas e ainda as novas formas não estão definidas. Essa liberdade é para poucos. Segurar-se sem parâmetros sociais rígidos implica em maior responsabilidade; e todos nós sabemos que adoramos jogar a responsabilidade no vizinho ao lado.
Educar meninas para saberem se comportar socialmente não deveria nos incomodar, devia? Afinal, vamos convir, tem muita criança por ai que precisa de bons ensinamentos de convivência social e respeito ao outro. Compreender que o espaço público exige percepção do outro. Por outro lado, meu sentido de equidade me diz, todo mundo tem direito a ser o que quiser enquanto seguir as leis que regem a sociedade. Assim, que venham todas as escolas de princesas e principes que desejarem. Cabe a cada um de nós escolher se queremos isso pra nossos filhos.
Assim, só me cabe gerar a reflexão do que significa “educar a se comportar socialmente” como disse a fundadora, Nathalia de Mesquista. A Escola de Princesas re-estabelece parâmetros com contornos bem definidos do que é ser uma menina atrelados ao lar e ao comportamento dócil e meigo e contrários ao universo masculino, que por contraposição deve se referir ao mundo da rua, ao espaço público. Durante milênios construímos nossa identidade – masculina e feminina – embasado na diferença, como dois mundos complementares. Assim aprendemos que se é mulher quanto mais diferente se é do homem. E vice-versa. Além do aspecto competitivo que essas crenças geram, alimentam a sensação de incompletude que o estar só significa.
Estamos caminhando para um espaço em que os limites de gênero ficaram mais diluídos e com isso os papéis menos limitados. Estamos ficando maiores, mais extensos, nosso mundo se ampliou, podemos não estar acostumados a tanta fluidez mas poder se soltar, cada vez mais, tem sido o desejo da maioria das pessoas que entrevisto.
Estamos compreendendo que ser mulher não significa saber cozinhar e costurar. Embora saber fazer essas duas coisas sejam úteis, para ambos os sexos. Nada contra. Pelo contrário, uma mulher que sabe bordar não é menos moderna daquela que não sabe pregar um botão. A modernidade não passa, na minha perspectiva, pela linha e agulha. E é sobre isso que faço o convite para refletirmos esta semana: o que nos faz ser mulher ou homens? As tarefas que somos capazes de exercer? O domínio do lar? Ou da rua, me refirindo ao traquejo social, ao trabalho? À responsabilidade da família? Da crianção dos filhos? O que nos faz ser mulher ou ser homem? A virgindade? A liberdade sexual?
Não colocaria uma filha minha na Escola das Princesas e discutiria muito com meu irmão e minha cunhada se eles pensassem em colocar minhas sobrinhas numa, mas essa rede de escolas ter surgido ajuda a refletir sobre nossos valores e crenças. Ajuda a tomar consciência dos pequenos detalhes que vão construindo uma identidade. Ainda vejo amigas modernas, bem resolvidas ensinando suas filhas a serem delicadas e dóceis. Pelo menos a Escola das Princesas escancara essas crenças sem pudor. É bom para trazer para a mesa do jantar essa discussão.
Meu convite, esta semana, vai além, escreva para mim e me conte, publica ou inbox, o que você pensa e sente sobre isso. Boa semana a todos!
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
0 Comments
Leave A Comment