Sei que vai parecer um conto de Natal, mas aconteceu exatamente assim como vou narrar. Semana passada quis ajudar uma senhora a subir no ônibus. Ela se recusou e ainda me fez entrar na frente dela. Desisti da ajuda e segui em frente. Quando já estava sentada, a senhora chegou perto de mim e disse: “Não me leve a mal, mas se deixar de fazer as coisas por mim mesma é o meu fim”. Disse a ela que não tinha importância. Estava tudo bem.
Ela se sentou ao meu lado e foi quando pude perceber que se tratava de uma senhora de uns 80, 90 anos. Ela sorriu para mim e disse que já tinha passado por muita coisa na vida. Resumindo tudo que ela me contou somam-se a cura de um câncer na garganta, outro no útero, a superação da morte de dois filhos no mesmo dia, o falecimento do amor da vida dela (que não era o seu marido) e o próprio marido que segundo ela, continuava vivo, firme e forte. Falou tudo sorrindo, com disposição e sem lamentos. Contou que tinha tido uma vida boa também. Trabalhou muito, mas gostava. Cuidou de duas casas simultaneamente (achei estranho, mas preferi não perguntar o que isso significava), teve 3 filhos, o que estava vivo ainda era um bom homem e cuidava dela. Tinha gratidão no coração. Quando ela terminou, eu disse: “Depois que as dificuldades passam fica mais fácil, mas na hora que estamos passando por elas é muito dolorido, não é mesmo?”.
Ela ficou me olhando mesmo depois que eu terminei a frase, preenchendo a lacuna do silêncio que se formou, como se estivesse absorvendo as minhas palavras e, depois, me disse: “É aí que mora o engano. Nas dificuldades temos que dar um jeito de sorrir. Não estou falando de negar a dor, estou falando de aceitar e cumprir o que viemos fazer aqui. Passei a vida toda me guiando por este pensamento. Fui criticada quando homenageei meus meninos cantando músicas alegres enquanto eles eram velados. Me deram poucos anos de vida enquanto tentavam me encher de química na tentativa de amenizar o câncer, mas eu sabia porque ele estava ali e sabia o que deveria fazer para ele sumir. E sumiu. Não apenas um, mas dois.”
Foi nessa hora que percebi que estava realmente vivendo um daqueles contos de Natal que a gente vê em filme. Afinal, quem era aquela mulher que recusou minha ajuda, pediu desculpas, me contou todas as desgraças da vida sorrindo e estava ali, me olhando, com o jeito mais angelical que poderia existir?
Enquanto elaborava todo este pensamento, ela sorriu e eu tive a nítida sensação que ela sabia exatamente o que eu estava pensando. Então ela me disse: “Eu sou apenas uma velha tola que preferiu a leveza da vida. Não se impressione tanto com isso ou como qualquer outra coisa que aconteça em sua vida”. E antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, ela se levantou e desceu do ônibus.
Demorei dias para assimilar este acontecimento. Não ousei contar para ninguém. Tentei nem pensar mais sobre isso. Hoje entendi que isso aconteceu para que eu pudesse dividir com vocês esta bela lição. Resolvi seguir o conselho daquela velha sábia: contei tudo e pronto! Não vou me impressionar com isso.
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