Uma prática que se tornou comum nos grandes edifícios empresariais, a partir dos atentados de 2001, foi o exercício/treinamento de combate de incêndio. Funciona assim: você está numa torre de 30 andares, trabalhando, num dia normal e de repente, começa a soar uma sirene e no auto falante uma voz calma e suave anuncia que todos devem deixar o prédio pela escada de incêndio, pois está acontecendo uma situação de emergência no prédio. Dentre os funcionários de cada corporação, existem os brigadistas – almas caridosas que aceitam, voluntariamente, ser treinados por bombeiros civis para ajudar os colegas em situações de emergência. Na hora que se inicia o exercício, eles colocam um boné e um colete vermelho e saem pela empresa avisando os demais funcionários que eles devem deixar o que estão fazendo e caminhar calmamente em direção às saídas de emergência. Aí você tenta entrar na escada de incêndio e demora aproximadamente uns 10 minutos para conseguir fazer parte do fluxo de pessoas que estão descendo. Poderia se chamar de tráfego lento ou parado nas escadarias do arranha-céu.
Quando você finalmente chega lá embaixo, suas pernas estão bambas – não porque você está apreensivo com o incêndio – mas sim porque descer 17 andares (no meu caso) de salto, bolsa e laptop não é exatamente tarefa fácil. Aí os brigadistas que estão no térreo ficam orientando a todos que deixem a recepção. Lá foram, amontoados pelos jardins e cafés ao redor da Berrini, fica um mar de executivos que foram obrigados a dar uma pausa no seu dia de trabalho.
Fico sempre me perguntando o que aconteceria no caso daquela situação ser verdadeira. Primeiro me passa pela cabeça que ninguém acreditaria, afinal, quando a moça do auto falante começasse a falar, você pensaria que é mais um exercício. Uma outra coisa que penso é sobre a calma. O mar de pessoas descendo (tenho vontade de usar a expressão manada, mas é feio, né?) durante os exercícios tem aquele tom de brincadeira típica de como o brasileiro encara a vida. Um faz piadinha, o outro comenta e de repente você acaba fazendo mais umas duas ou três amizades de elevador (no caso, de escada). Numa situação real, imagino que seria um tal de um passando por cima do outro, gente se jogando no vão das escadas, mulheres elegantes abandonando seus louboutin pelo caminho. Aquela malinha de executivo com rodinhas que levam os laptops e as bolsas, acredito eu, nem seriam cogitadas de se levar para baixo.
Mas porque estou falando disso? Primeiro porque aconteceu comigo ontem: desci os 17 andares pensando, entre outras coisas, que a parada inesperada no dia ia me atrasar a vida, incluindo o texto para o blog. Como já participei desse exercício inúmeras vezes, resolvi ocupar a cabeça enquanto descia para adiantar algumas coisas e foi quando me toquei que ali estava uma boa comparação com o tema proposto hoje: confiança.
Quando falamos num mundo cada vez mais efêmero, rápido, sem profundidade, mais falamos em valores que fortalecem os nossos laços emocionais, uma vez que é tudo que nos resta. E, sem dúvida, a confiança passa a ter um valor ainda mais significativo. Ouvimos falar que está cada vez mais difícil confiar nas pessoas, nas empresas, nos governos, nas instituições. Foi aí que me veio o paralelo com o exercício que estava fazendo: aquilo é feito por obrigação. A empresa paga uma multa se algum funcionário se recusar a descer. E nós vamos por isso. Mas,de fato, não temos ideia do que aconteceria se aquela fosse uma situação real. Foi aí que entendi algo que a Nany me disse esta semana: a confiança, como amor, é para ser dada e não recebida. Pois é.
Falamos tanto em não se poder confiar ou em não ser confiável que não paramos para pensar que tudo que podemos fazer é confiar (ou não) em uma situação ou pessoa. Mas isso nada tem a ver com a reação do outro ao nosso ato de confiança. Ele não será mais honesto ou mais correto porque estamos dando nossa confiança a ele. Sei que causa estranhamento, mas pense em fluidez. Pense em entrega. É um jeito novo de encarar e, principalmente, de agir.
Talvez as relações fossem mais sólidas apesar do mundo em que vivemos se estivéssemos mais receptíveis a confiar, independente da reação outro. E talvez eu e meus amigos do centro empresarial fizéssemos o exercício acreditando que ele vale para alguma coisa e não apenas porque, é óbvio, não queremos ser responsáveis pela multa que a empresa vai ter que pagar se não fizermos.
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