Já adiantei ontem, aqui, que um dos meus prazeres quando almoço sozinha é ouvir as conversas das mesas ao lado. Mas esta confissão só serve para que eu possa contextualizar o assunto de hoje. No último sábado, estava esperando meu almoço, contemplando o bom dia, quando pessoas sentaram na mesa ao lado da minha. Dois casais e uma adolescente. Pelo que pude perceber, o casal mais velho eram os pais da menina e o rapaz, do casal mais novo, era filho do pai da menina, ou seja, meio irmão dela. Lá pelas tantas o rapaz pergunta para a irmã se ela já havia decidido que vestibular faria. Antes que a menina tivesse a oportunidade de abrir a boca, a mãe começou a responder. Contou que outro dia a menina veio com um história de fazer cinema, mas é lógico que ela, a mãe, já cortou esta possibilidade. “Não vamos nem falar sobre isso, Fulana. Faculdade de cinema não serve para nada. Nem para ganhar dinheiro e nem para arranjar marido. Pensa em outra coisa e já tira desta lista também jornalismo, teatro, artes plásticas e essas coisas assim. Aliás risca qualquer curso de Humanas”. O pai da menina, que estava mais entretido com o seu celular do que com a conversa, levantou a cabeça, olhou para as duas e voltou ao seu entretenimento, sem falar nada. O irmão e a suposta cunhada, deram algumas risadas e a menina permaneceu calada. A conversa seguiu neste tom, mas perdi o foco, pois já tinha escutado o suficiente para minha cabeça começar a pensar neste texto.
Fiquei refletindo na falta de cuidado ao lidar com filhos adolescentes. Uma coisa que aprendi, anos atrás, quando decidi colocar meu filho de um ano e meio numa escola puramente construtivista, foi o respeito pelo indivíduo. É verdade que optei por escolas que não estavam no ranking dos melhores colégios da cidade – aqueles que preparam a pessoa para o vestibular mais complexo ou mesmo para formar os executivos mais poderosos do futuro. Mas me orgulho por ele ter recebido uma educação muito humana que valorizava quem ele é. Lembro-me de ter ouvido diversas vezes, nas reuniões de pais, a seguinte frase: “Quando alguém perguntar algo a seu filho, não responda por ele. Confie na capacidade que ele tem de se expressar”. Não vou negar que este exercício é bem difícil, portanto, não conto esta história na intenção de julgar a mãe do restaurante. Talvez, para ela, isso nem faça sentido. Mas fiquei curiosa em saber qual seria a resposta da menina, coisa que, até onde participei, não aconteceu.
Outra coisa (e isso sim me chocou) é a mãe achar que tem o direito de decidir o que a menina vai ser “quando crescer”. Especialmente porque os critérios da mãe estavam baseados em: 1) ganhar dinheiro, 2) arranjar marido. Ela não é a única, eu sei. A mulher parecia bem prática e, portanto, deveria estar apenas querendo encurtar o caminho de decepções que a menina poderia passar na vida até encontrar o seu caminho. Mas cá entre nós: o barato da vida não é exatamente a busca? De novo, como mãe, consigo entender que querer proteger o filho é visceral, mas não há o que se possa fazer para impedir os obstáculos que cada um vai ter que superar. Lidar com este fato o quanto antes fará das nossas vidas, mamães, menos pesadas.
Fiquei pensando que o que mais detestava na minha mãe – na minha adolescência – era o fato dela nunca decidir nada por mim. As frases que mais ouvia era: Você que sabe. Como você quer? O que vai ser melhor para você? Eu achava injusto ela deixar na minhas mãos todas as minhas escolhas. Hoje, com o coração cheio de gratidão, amo minha mãe por isso. Tenho certeza que não teria conseguido passar pela minha vida se ela tivesse decidido coisas como a faculdade que eu iria fazer por ser um lugar potencial para eu encontrar um marido. Meu espírito livre não suportaria.
Tentei limpar a tendência de julgar aquela mãe para narrar um fato bem comum e talvez ela saiba o que é melhor para sua filha. E que o meu filho me perdoe se sentir que estou sendo injusta em dar a ele a opção de errar ou acertar.
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