A quarta-feira de cinzas, dizem, é o dia da ressaca e do recomeço. Não venho de uma família “foliona” e nunca fui exatamente uma carnavalesca, por isso não tenho muita referência das sensações “das cinzas”. Mas tive a felicidade de ser vizinha de um carnavalesco durante muitos anos. Tudo bem que era um carnavalesco de Curitiba, mas ele tinha sim, essa coisa da alegria do carnaval na veia. Ele e a família! Lembro que a casa deles tinha música constantemente e não importava o quão ocupados estavam, sempre arranjavam um tempo para dançar. As crianças da rua, incluindo eu, adoravam aquela casa. Também guardo em minha memória os preparativos para o desfile: alguns meses antes a garagem se tornava um grande galpão e lá as alegorias iam se transformando em sonhos de deixar qualquer imaginação infantil super entusiasmada.


Mas na quarta-feira pós-carnaval a casa era um silêncio só. Como se um luto abatesse ali e, naquele dia, ninguém da casa saia na janela ou ia até a entrada chamar a molecada para a diversão. Nós sabíamos que era assim todos os anos e respeitávamos. A rua tornava-se silenciosa. Também sabíamos que no dia seguinte, já uma quinta-feira qualquer, tudo voltava ao normal. Um único dia de morte e então o renascimento. Essa sempre foi uma simbologia sobre renovação. Mas o que sempre me fez lembrar desta família, mesmo hoje, mais de 30 anos depois, era a leveza. Dançar é mesmo sacudir o esqueleto. Aprendi isso com os carnavalescos! Eles eram uma família normal, com responsabilidades, altos e baixos, tudo igual. Mas eu sempre senti uma grande diferença: não havia tensão ali. Os músculos eram relaxados, os corpos se expressavam sem travas. 

No ano passado, exatamente nesta época, eu começava a passar por uma das mais complexas renovações que já tive a oportunidade de viver. Lembro que o carnaval todo senti dores de cabeça que “iam e vinham”. Na quarta-feira de cinzas se tornou uma enxaqueca e assim foi por mais 10 dias. Quando já estava num esgotamento profundo e completamente desanimada resolvi procurar ajuda. Fui a um pronto-socorro onde me fizeram diversos exames. No fim eu não tinha nada, mas o médico sabia do que se tratava. 

Ele me perguntou se eu estava passando por algum tipo de estresse e eu respondi que sim, mas que não gostaria de falar sobre aquilo. Ele me olhou com muita calma e me disse: sua dor de cabeça é reflexo dos músculos da sua cervical que de tão tensos simplesmente fazem com que a sua cabeça receba uma pressão fora do comum. Eu poderia te dizer que era só isso, uma coisa boba, mas sei que não é tão simples assim. Você tem duas alternativas: se entupir com os relaxantes musculares que eu vou te receitar, apenas para amenizar a dor, ou dar um jeito de verdade nesta sua cervical. Acredito que, para isso, não seja remédios que vão resolver. Você sabe o que isso significa, não é? 


Claro que sabia, mas a grande pergunta era: como eu vou fazer isso? Parece que o médico lia mentes, pois já na porta quando nos despedimos ele me deu um último conselho: por que você não começa a dançar? A dança é um ótimo exercício para tensão e ainda relaxa. Não importa o tipo de dança. Não vai resolver o seu problema, mas vai te ajudar a encontrar uma saída para resolver a questão”.

Saí de lá pensando no carnaval que havia acabado de passar. E numa música do Chico Buarque que diz: “tô me guardando pra quando o carnaval chegar”.