Sexta feira foi um dia de grandes emoções, a minha diva, Shirley, pediu a conta e partiu. Mais uma vez vi e vivi o que o Projeto Mulheres trouxe tão claro: o desejo das guerreiras descansar. Chamo Shirley da minha diva porque é uma mulher que admiro e considero maravilhosa. Jovem com quase 30 anos de idade, mãe de 2 filhos casou jovem como tantas mulheres moradoras da periferia de São Paulo. Trabalha desde os 12 anos, lutadora foi construindo sua vida aos poucos. Sem instrução completa encontrou no emprego doméstico o seu ganha pão. Alguns anos atrás o destino lhe pôs a prova, seu marido sofreu um acidente e foi aposentado por invalidez.
Shirley se viu com dois filhos pequenos e um marido que não podia mais arranjar emprego. Sem ter tempo para sentir pena de si mesma ou entrar em depressão, foi a luta. Ou melhor, foi lutar mais. Guerreira trabalhava o dia inteiro, chegava em casa e ficava até a uma da manhã cuidando da casa para depois acordar as quatro e começar o novo dia. Aos poucos seu marido foi ajudando-a em casa, com os quefazeres, com as crianças. Foi assim que a conheci. Ela buscando um emprego, eu buscando alguém para me ajudar em casa.
Durante o tempo que contamos com sua ajuda, ela foi uma pessoa especial nas nossas vidas. Sorridente, de bom humor, sempre disponível e atenciosa. Mesmo com sua história, não se colocava no papel de vítima, nem levantava bandeiras. Consciente de sua força, não culpava os outros pelas dificuldades, acreditava que a vida era assim mesmo, e, mesmo assim, valia a pena vivê-la.
A vida não endureceu a Shirley. É isso foi o melhor exemplo que ela me deu. Empática sempre considerava que havia gente com vida mais difícil do que ela. Guerreira de coração e não no ego, tratava com doçura todas as pessoas.
Na nossa casa encontrou carinho e respeito. O emprego estável trouxe para seu lar tranquilidade e novas ambições. O ano passado junto com o marido decidiu abrir um pequeno comércio que o marido toca durante a semana. No final de semana ela vai para a rua 25 de Março fazer as compras e ajuda também na lojinha. Com isso criaram uma boa estabilidade financeira. A lojinha vai de vento em popa.
A estabilidade foi permitindo que esta guerreira tomasse consciência do seu cansaço, ‘cansaço de alma‘ como diria uma das minhas mestres. E ele veio com tudo, trazendo consigo a dor de anos de luta que só a pausa é capaz de fazer notar.
Agora dá para parar e é o que a nossa Shirley vai fazer. Ela me disse isso chorando, sentida por nos deixar. Mas como não compreendê-la após ter ouvido dezenas de mulheres guerreiras cansadas de lutar? Cansadas de viver o tempo inteiro na energia masculina da ação, sem poder se permitir viver a energia feminina da recepção, do cuidar, do acalentar? Impossível.
Cuidar e cuidar-se, acalentar e acalentar-se exigem pausa, reflexão. E para isso precisamos deixar o estado de alerta, de luta ininterrupta. Quase todas as mulheres que ouvimos anseiam imensamente poder sair do estado constante de alerta, de luta. Mas para isso, acredito eu, precisa haver confiança na vida em primeiro lugar, e para quem tem, confiança no seu companheiro. E essa são duas coisas a Shirley, minha diva, tem.
Vai Shirley, deixe a energia feminina tomar conta de você e seja feliz!
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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