Caminhando em direção à instalação da artista plástica Valeska Soares em Inhotim, vejo saindo da galeria uma mulher de meia idade. À medida que nos aproximamos posso perceber que está sorrindo, com um olhar maroto. Ao cruzar por mim, me olha e abre um sorriso como se quisesse compartilhar sua alegria.
Quando entro na instalação escuto uma música romântica tocando e vejo projetada em todos as paredes cobertas por espelhos, um casal dançando em separado. Fazendo quase um convite para quem está ali, dançar junto com eles. É fácil imaginar a mulher que há pouco tinha cruzado comigo com ar de felicidade, rodopiando sozinha enquanto ouvia a música e seguia os dançarinos projetados nos espelhos. É fácil compreender o sorriso sonhador no rosto.
Por gostar de arte costumo visitar museus e exposições. Durante minhas excursões é comum cruzar com mulheres com o perfil da mulher de Inhotim: meia idade, sozinha, concentrada, desfrutando galerias, teatros, musicais, museus… Há aquelas que andam em grupo ou dupla. Mas o perfil é diferente. Especialmente as que andam em grupo. Estas gostam de falar, comentar, rir em voz alta como se fossem adolescentes em excursão. Talvez seja este o espírito que as une. Muitas vezes estou sentada absorta numa obra, quase dentro dela ou viajando para longe quando elas entram na sala fazendo quase um maremoto energético. Faz parte. Melhor elas ali aprendendo, aos poucos, que esses espaços precisam de introspecção.
Minha imaginação vai longe e fico me perguntando se as mulheres a sós estão assim por opção ou por falta de uma boa companhia. Gosto de viajar na vida que vou criando para alguém que cruza meu caminho e me chama a atenção.
«A mulher de Inhotim», como vou guardá-la na minha memória, talvez esteja só, por opção. Para poder ter a liberdade de dançar sem ser observada, criticada, comentada por alguém conhecido. Faz sentido para mim porque eu mesma costumo frequentar esses lugares a sós. Não é por falta de companhia, mas por querer ficar comigo nessas horas. Poder, egoisticamente, não ter que me preocupar com o tempo de mais ninguém. Gosto de pensar que é um egoísmo construtivo. Talvez a minha educação de mulher católica e japonesa fique mais calma pensando assim.
Sempre há a possibilidade de «a mulher de Inhotim» não ter companhia. Amigas que possam bancar a viagem. Um homem que possa bancar a viagem e ainda goste de arte. De meia idade. Creio que essa é uma variável importante: homens de meia idade foram pouco ensinados a alimentar a alma. O fato é que com ou sem companhia a disposição «a mulher de Inhotim» estava lá. Desfrutando, se permitindo. Uma pena que veja poucos homens fazendo isso.
Horas depois volto a cruzar com ela. Continua feliz. Ela para e me fala que já foi a Inhotim várias vezes mas que a Galeria da Valeska Soares é a que continua lhe tocando mais. Sorrie, olha através de mim e vai embora quase flutuando. Continuo minha caminhada agora com o presente que ela deixou em mim: a possibilidade de sonhar também.
P.S. a foto que ilustra este texto é de outra mulher de meia idade que encontrei no Som da Terra. Instalação do artista Doug Aitken.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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