Ontem embarquei num vôo da Gol (2156) de Congonhas para Curitiba trazendo comigo 2 malas grandes e 3 pequenas. Essas malas continham donativos que conseguimos juntar às pressas para aos desabrigados de Santa Catarina. Um amigo nosso está coletando-os em Curitiba e os fará chegar ao seu destino.
Viajei feliz pela sensação de estar realizando algo de fato. De ter conseguido agir e sair da inércia de só ficar assistindo. Fico pensando no como é bom se sentir bem consigo e o estado de orgulho que me envolve por ter usado meu tempo, que eu considero curto, junto com minha família e alguns amigos para fazer aquilo que nossos corações pediam. Como isso alimenta a minha alma e me deixa mais leve. Essa leveza me leva a lembrar do Luis Felipe, o rapaz que me atendeu no balcão da Gol e que foi o responsável pelo único momento ‘pesado’ dessa ação.
Quando cheguei no balcão da Gol para fazer meu check in, fui atendida por ele. Rapaz jovem que foi pesando minhas malas e etiquetando. Como deu sobrepeso, o que era esperado, pedi para eles considerarem se podiam ‘perdoar’ o valor já que eram donativos para SC. Podiam abrir as malas se quisessem comprovar. Não, não podiam. Entendo, normas são normas e provavelmente Luis Felipe não tenha autonomia para decidir mudanças nas normas. Então, seria possível falar com o supervisor? Em poucos minutos ele voltou e no seu tom de voz já senti a agressividade e ironia. Disse-me que o supervisor estava ocupado e não viria e emendou me questionando o fato das malas conterem donativos para Santa Catarina sendo meu destino Curitiba. Dá para imaginar o dialogo do supervisor com o Luis Felipe. Expliquei que Curitiba é mais perto de Santa Catarina que São Paulo e haveria alguém para distribuir, pedi novamente que me ajudasse por conta dos donativos e a resposta foi ríspida: “É você que faz donativos, não a Gol”. Além de não se dignar a olhar minha cara, porque ficava fazendo anotações, duvidava da minha palavra e ainda me solta uma pérola dessas. Na hora tive vontade de dizer ‘vai se ferrar’, mas fiquei olhando para ele e pensando o que levava a um jovem como aquele ter tanta raiva e mau humor. Ser tão grosseiro.
Entanto ele ia fazendo o cálculo do valor que teria que pagar, pensei no supervisor que devia ter incentivado esses sentimentos no Luis Felipe. Pensei na Gol, que colocou nas minhas malas etiquetas com a marca Varig. Pensei nos funcionários que devem andar com problemas de identidade sem saber ao certo qual é Marca, e todos os valores nela embutida, que representam. Pensei na Alta Direção e nos donos dessa empresa. Quais são os seus valores a final? Provavelmente o entendimento de respeito que eles têm é distinto do meu já que são capazes de comprar uma marca como a Varig que representa tanto para os brasileiros e a história deste país e simplesmente a tratam da forma como a estão tratando.
Voltei para o Luis Felipe e entendi. Somente alguém infeliz é capaz de tanta grosseria. Naquele momento, voltei a lembrar das horas que passamos empacotando e carregando malas. Dos emails enviados e a alegria com as respostas. Lembrei que eu sou feliz e isso me faz ser melhor. Paguei o sobrepeso – e é justo dizer, Luis Felipe diminuiu por conta própria – que teria pagado do mesmo jeito entendendo as normas, a falta de autonomia, mas poderia ter ficado com a sensação da cortesia no atendimento. Sai do balcão da Gol fazendo um pedido em silêncio: que o Luis Felipe decida ser feliz. Que corra, que fuja se for necessário, mas que lembre que há sempre outras oportunidades. Há sempre a possibilidade de ser feliz.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
4 Comments
Quem bom que existem pessoas no mundo como você Nany!
Bjs,
Bia
Nany querida,
Lendo seu comentário na sua experiência vivida, fiquei pensando o quanto a palavra não tem o valor,me fez recordar de meu querido o avô que nos ensinou que nossa palavra vale mais do que qualquer coisa no universo, e o quanto existe desconfiança...
Que esse menino consiga resgatar seus valores e que consiga se livrar dessas amarras mentais impostas por uma cultura onde nossa palavra para ser válida não necessite de comprovação.
Um grande beijo e parabéns pela sua linda atitude como sempre admirável.
Que bom que existem pessoas como nós! beijos a vocês duas.
Nany
ei Nany
É isso aí, já há algum tempo percebo, nas minhas andanças, que essa companhia aérea está carente de valores e de atitude. Parece que eles não entendem que lidam não com passageiros, mas com pessoas. Lamento muito porque quando eles surgiram, com uma proposta descolada da formalidade dos concorrentes, achei que tinhamos uma lufada de renovaçào em um setor tão combalido. Pois é. Compraram a Varig, como voce disse uma marca tão próxima e identificada com nossas vidas e lutas, e agora nivelam o serviço das companhias com as piores práticas e atitudes possíveis.
Sejam felizes. E não se esqueçam: a gente não esquece.
Beijo e parabens pela iniciativa.
Pedro Arlant
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