2020 será um ano para ser lembrado por nós e pela história. O ano em que o mundo parou o seu ritmo alucinante em direção a um destino que nem sabíamos ao certo qual era e, mesmo assim, conduzia a nossa vida. Um ano em que vimos o melhor e o pior de nós emergir ao nosso lado; os “maus” que ambicionam um mundo bem distante do que nós desejamos não são mais aqueles que estão do lado de lá, e sim alguém próximo da nossa família.
Um ano em que o nosso medo da morte se tornou, muitas vezes, menor do que o nosso medo do silêncio e da solidão. Um ano em que a solidariedade e o egoísmo andaram juntos, ora um na frente, ora outro, como há milênios caminham. Um ano em que nós vimos, quase sem disfarce, como realmente somos. E, definitivamente, não gostamos do que vimos.
É na pluralidade e contradição da nossa humanidade que andamos e nos recriamos. Em tempos de crise esses traços se acentuam, o que ajuda a tirar os véus da – suposta? – ignorância. Quem gosta de virar o rosto para não tomar conhecimento do que está errado ao seu redor se viu na incômoda situação de ter que assumir que sabe. E agora?
Podemos, com esse espetáculo coletivo e ao mesmo tempo individual, refletir e fazer escolhas. Uma delas é se vamos querer continuar com a ideia de que a economia – no sentido comum de dinheiro – salva o mundo e a humanidade; e que, por mais que valorizemos as questões morais e discursemos sobre elas, é o dinheiro, e seu verbo “ter”, que se tornou a estrutura central da nossa visão de mundo.
Será que é realmente isso que queremos? A maioria das pessoas me diz que não, mas tampouco sabe como mudar um sistema todo ajustado a essa visão de mundo. Vejo movimentos sociais, empresariais e governamentais aqui e mundo afora tratando de quebrar essa hegemonia de pensamento. Davos de 2020, ano da pandemia histórica, foi palco de alguns exemplos como esses: promovendo os investimentos – diga-se o dinheiro, já que é essa a linguagem, certo? – para empresas que caminhem para a equidade de gênero – com foco nos gêneros masculino e feminino, o que já é um avanço – e empresas comprometidas com os princípios ESG (sigla em inglês que significa Meio Ambiente, Social e Governança Coorporativa relacionada com o crescimento sustentável e seu impacto social).
Ao mesmo tempo, li na recente pesquisa da Indeed com cem líderes de RH e recrutamento, que 53% consideram a diversidade pouco ou nada importante para construir uma equipe. Pelo menos não mentiram. Há empresas voltando ao trabalho presencial. Com e sem necessidade. Algumas com todos os protocolos possíveis e viáveis e, mesmo assim, com equipes se questionando: para quê? Qual é o sentido de voltar ao presencial se tudo vai bem e o primeiro semestre fechou bem? Só Deus e deuses humanos podem responder a essa pergunta.
Lembro de uma amiga que, no final de seu primeiro dia de volta ao trabalho presencial, bastante irritada, me contou que ficou trancada na sua baia tendo que controlar a ida ao banheiro – tinha limite de pessoas por vez – assim como quando poderia pegar água – não podia haver aglomeração nessas áreas comuns. Para piorar, fez todas as suas reuniões, mesmo que tenha sido com os colegas ao lado, por aplicativo, já que as reuniões presenciais estavam proibidas. Detalhe: de máscara.
Exercício de poder? Pensamento retrógrado sobre o que é trabalho? É difícil decifrar o pensamento da liderança atual. Até porque há empresas que cuidam das suas pessoas e há as que só as usam. A volta ao trabalho presencial exige cuidado. Ninguém está igual após esses meses todos de pressão psicológica. Podemos achar que fomos pouco afetados, porém está claro que nosso equilíbrio emocional está mais impactado do que conseguimos notar.
Estamos vivendo um tempo de escolhas, tenho repetido com o intuito de fazer você, minha leitora e meu leitor, entender que é hora de escolher com quem se quer estar, com quem se quer trabalhar e para quem; devemos escolher quais valores queremos – de verdade – que rejam as nossas vidas. A ação que segue a decisão pode demorar, mas assumir internamente a nossa posição fará uma grande diferença no nosso emocional. Fazer um acordo e ficar em paz com a nossa ética é curador. Para ser sincera, creio que é o primeiro e grande passo para o tão desejado bem-estar.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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