Nas últimas semanas tenho pensado bastante sobre como criamos a nossa realidade, como vamos construindo aquilo que consideramos verdade e sinto que é um bom tema para esta semana em que celebramos o equinócio da Primavera. Aprendi que a primavera é o tempo da expansão, é o tempo que as flores abrem, as árvores começam a ficar frondosas, os animais se movimentam para atrair seus pares; é o tempo em que, após o grande sonho do inverno, a vida recomeça seu exuberante caminho para gerar mais vida.
Nestes tempos de abertura, de experiências, de cortejo, de mostrar toda nossa beleza e exuberância muitos de nós parecem optar pelo estreito caminho da verdade irrefutável, daquela tão profundamente alicerçada em estudos, teorias, casos e mesmo vivências, que torna seu mundo menor, muito menor. Quando estamos comprometidos com o saber e a verdade, com real interesse pela vida, com a seriedade da responsabilidade, costumamos ir atrás de diversas fontes de informações e escolhemos aquelas que ressoam em nós – portanto isso já influencia o resultado – a partir dessa escolha começamos a nos aprofundar mais e mais nas fontes da mesma raiz ou que compartilham os mesmos valores.
Se é algo que nos toca profundamente, se mexe com nosso sentido de indignação – e não estou aqui questionando a sua legitimidade, quem sou eu! – então parece que tudo começa a fazer sentido. Tudo se encaixa. Frequentar grupos, locais, pessoas que ressoem em nós aquilo que estamos construindo como verdade parece ser natural. Focar nossos estudos, leituras e até nosso lazer para alimentar a nossa verdade só vai solidificando o que construímos como real, tornando tudo em volta ilusão. E o que é real se não a nossa construção sobre fatos? O fato existe mas a descrição dele já tem a nossa interferência.
Quando acreditamos que a nossa verdade é a verdade e que o outro está errado, é ignorante ou alienado, estamos caminhando para uma estreita visão de mundo. Deixamos a plenitude pelo campo reduzido do gueto. As realidades, todas elas, que compõem a mais plena realidade sempre estarão além de nossas fronteiras. A plenitude sempre nos englobará e todo aquilo que construímos como real. Nós somos parte, pequena, média, grande, não importa, mas parte de algo maior. Então, por que optar por acreditar somente numa parte dessa vastidão que é a vida? Por que é tão importante estarmos com o cetro da verdade? É tão bom ser aprendiz…
Alguns me dirão que a verdade traz segurança e coerência para a vida. Concordo. Estarmos alicerçados nos permite profundidade e maior exploração da realidade. Desde jovem participo em grupo de estudos e aprendi com eles a diferença entre a defesa do que se acredita, firme, consistente que pode parecer para os menos preparados intransigência ou prepotência, e a defesa do ego do saber, de ser o dono da verdade. Há grande, uma grande diferença. É claro que precisa de preparo para discernir, mas um dos pontos que me ajuda a diferenciar é a abertura que o dono do saber tem para com o desconhecido por ele, pelo outro ponto de vista. O que mais motiva é o saber e não estar certo.
Neste tempos de primavera, de expansão, a vida convida a nos abrir para outras realidades, para outras verdades. Mesmo que não concordemos com elas. Mesmo que continuemos convencidos que o melhor é aquilo que consideramos melhor. Faz faz parte da expansão compreender que a verdade do outro também existe e pode ser tão verdadeira quanto a nossa. Que há do outro lado do muro da nossa verdade, aspectos que podem enriquecer o nosso campo, polinizar e fertilizar nosso solo. Quando abrimos espaço para o novo, criamos novas nuances e texturas, geramos novos pensamentos e sentimentos. Arejamos.
Em tempos de polarização, em que buscamos culpados para os males da humanidade, que tal abrir-se para o movimento da dança descompromissada e coquete que a primavera tanto nos pede?
Mãos à obra para o diálogo com a humanidade,
diálogo as vezes doce,
por vezes azedo,
de vez em quando ácido,
mas ainda assim diálogo…
porque quando vir a ser monólogo,
nada mais fará sentido.
Nely Silvestre
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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