Após saber que a Comissão da Câmara de Deputados decidiu que família é constituída por homem e mulher sigo meu impulso de mudar o tema desta semana e falar sobre a equidade que temos notado no Canadá. Andando pelas ruas de Quebec e Toronto, fica evidente como esse tema permeia toda a sociedade e cultura destas duas cidades. Talvez seja porque este vasto território tenha sido povoado deste seus tempos mais antigos por 634 de tribos indígenas, que hoje são chamadas de First Nations; ou, talvez porque o Governo Canadense abriu suas fronteiras para facilitar a imigração e poder povoar territórios frios e muitas vezes inóspitos. O pouco tempo nestas terras não me permite fazer grandes análises por isso vou compartilhar com vocês o que percebi até agora: é claro em cada detalhes, em cada gesto e nas atitudes das pessoas que o respeito às diferenças é valorizado e cultivado.
Entendo que é diferente dos Estados Unidos que valoriza a individualidade – cada um pode ser quem quiser e fazer o que quiser, dentro da lei -, aqui no Canadá, há uma notória valorização pela comunidade, por se importar e cuidar do outro. Ter consciência que o outro existe e a partir dessa percepção, viver. É bastante diferente o resultado. Como o outro existe e eu o percebo, cuido para abrir a porta com cuidado, cuido para que a cidade esteja sempre limpa, cuido para que o meu lugar fique limpo quando o outro entrar e por ai vai… Ou seja, não acho que o mundo me pertence e que ele me deve algo – tão comum em nós, povos latinos – mas me sinto integrante do mundo e colaboro para que ele seja melhor para todos. Existe o sentido de inclusão, pertencimento e colaboração.
Um ponto relevante para a reflexão desta semana é que para aceitar de coração a isonomia – direitos iguais para todos, mesmo sendo diferentes – e poder viver com equidade, é necessário primeiro entender que o que considero certo, correto e verdadeiro, pode não servir para o outro. Ou seja, não considero que tudo aquilo que aplico como justo, seja para todos. Que meu conceito de melhor, seja de fato, “o melhor”. Quando acreditamos que nossa visão de mundo é a melhor para todos, no mínimo estamos caminhando pela trilha da prepotência que costuma andar de braço dado com a miopia. Venho falando sobre o que consideramos verdades, como elas são constituídas e como elas podem virar muros que nos afastam do outro (leia mais no post As verdades que viram muros) porque considero que neste momento de polaridades extremas que o Brasil está atravessando – e o mundo, só olhar as eleições dos Estados Unidos – precisamos nos abrir para a humildade que o saber mais profundo costuma trazer. Aquele que nós guia e nos fortalece mas que compreende que estamos num ponto de interseção e que o próximo passo pode ser diferente. O saber mais profundo se curva ao saber, que é construído a cada passo, e não ao ego de ser dono da verdade, que costuma acompanhar quem acredita que seu melhor é melhor para todos.
Nestes tempos de transição, urge a necessidade de definirmos coisas. É um hábito humano querer definir e estabelecer formas para pode viver, especialmente para quem as incertezas assusta e a necessidade de estar “certo” lhe traz estabilidade emocional. Não vou falar muito sobre isso, deixarei essa reflexão para um próximo post mas trago este tópico para entender porque é necessário para muitos definir o que é família, um dos itens mais sagrados e cheios de carga moral. Ao definir como é constituída uma família as pessoas que tem mais dificuldade em fluir nos novos tempos de transição, sentem como se o eixo da sociedade estivesse sendo estabelecido. Como se todo o resto pudesse se encaixar e sossegar. Ledo engano. O conceito de família, assim como todo o resto, está se ampliando, queiramos ou não. O melhor, a grande maioria do mundo está querendo.
Compreendo que para quem considera errado dois homens ou duas mulheres juntas serem classificados de família, ler o que estou escrevendo é um ato quase imoral. Respeito a moral de cada um, seja por ordem religiosa, familiar ou crença social. Meu ponto é por que impor a sua moral aos outros? Por que querer estabelecer o que consideram correto, como correto para todos? Qual é o medo da liberdade? Qual é o receio em deixar que cada um escolha seu sentido de família? Qual é a dificuldade em aceitar que existem outras formas morais de viver? Quem quer viver no conceito de família que implica exclusivamente homens e mulheres, que viva assim, e que todos sejamos felizes, convivendo com outras realidades com respeito e amorosidade. Um pouco do espírito do Canadá nos nossos corações, nos cairia muito bem nestes tempos de eleições tanto políticas como sociais.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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