Evito quanto posso escrever aqui e nas minhas redes sociais sobre política pelo simples fato que considero entender pouco do assunto para oferecer opiniões que valham a pena ser dadas. É por conta disto que minha reflexão nesta semana sobre Donald Trump e João Doria é transversal à política e se foca nos valores e crenças que podem estar representados nessas escolhas.
Utilizarei o 7o Movimento Humano que a behavior apresentou em 2013, O Poder Isonômico, para expor minhas idéias e contribuir com a reflexão deste momento social: o modelo e conceito de poder que ainda nos rege mas vem ruindo na sua hegemonia é o que chamei de Poder Sobre. O Poder Sobre é facilmente identificável por ser muito antigo, ele está claramente codificado nas suas formas que o limitam. Esse poder existe na medida que existe algo ou alguém abaixo ou encima de nós. Para sentir-se com poder a pessoa necessita de códigos bem claros e massivamente reconhecidos. E aqui me refiro a qualquer tipo de poder, pode ser intelectual, econômico, físico… por se embasar na força sobre algo, ele se sustenta basicamente na comparação com o outro num aspecto competitivo. Muito por conta disso os limites são fundamentais. A separação vital. Por ter limites e códigos claros que os representam, o ambiente costuma ser bastante homogêneo.
Por estar mais tempo como a ordem correta as sociedades, empresas, países, pessoas que vivem esse tipo de poder, o Poder Sobre, costumam ser assertivos e trazer resultados eficientes. Além da competência individual há todo um sistema de práticas estabelecido, acordado, oriundo de séculos de desenvolvimento que facilita o resultado.
Por outro lado, um dos poderes que vem se apresentando como força equilibradora e desafiadora, crescendo exponencialmente a cada ano é o que chamei de Poder Para. O Poder Para não se sustenta pela diferenciação mas pela liberdade (ser e fazer). E essa é uma das grandes diferenças com o Poder Sobre. Como quem está no Poder Sobre precisa do outro para se sentir com poder, ele costuma ser preso, quase atado a códigos sociais, morais, éticos, culturais que representam a sociedade ao qual pertence ou a qual aspira pertencer. Por conta disso, costuma ser bastante óbvio na sua forma de ser e se expressar.
Já quem está caminhando para o Poder Para quer se libertar dessas amarras. Quer viver sua vida com os códigos que considera certos e melhores para o mundo que está construindo – sim eles realmente estão construindo sociedades com novidades -, muitas vezes fora do grande palco social, vivendo a vida no seu Microcosmo (leia mais sobre este Movimento Humano clicando aqui).
Importante diferenciar as pessoas que estão trilhando o Poder Para daqueles que caem num outro modelo cheio de códigos – os guetos, por exemplos – que mantém uma quase rigidez em relação à forma. Estes se colocam como opositores do modelo regente, o Poder Sobre, mas continuam com a diferenciação como eixo. Nos núcleos onde o Poder Para vem tomando corpo, a diversidade é fundamental. Ela alimenta, ela amplia. As bordas se mesclam, a aceitação de diversos modelos e formas convivem sem tantos atritos. É através da diversidade que a singularidade se mantém e se confirma.
Por estar ainda em fase de crescimento há desordem, devaneios improdutivos, escolhas equivocadas, especialmente no que se refere a parte financeira. Por conta disso podem ser considerados poéticos, sonhadores e até fracassados para quem não entende do que se trata essa visão de mundo e que ainda está no seu início. Sem dúvida há muita coisa a criar e fazer nesse novo sistema, mas uma coisa que ninguém pode negar é que ele vem crescendo e se espalhando na alma das pessoas. Talvez seja por isso que quem acredita e deseja que o Poder Sobre permaneça esteja hoje tão agressivamente marcando território.
Agora vou voltar ao Trump e ao Doria. Sei que parece injusto colocar o Doria na mesma linha que o Trump, mas para esta análise faz sentido e vou explicar porque: para mim eles são dois distintos representantes da mesma visão de mundo, do Poder Sobre. Entendo que para o Trump a diferença é fundamental para se sentir superior. Ele é óbvio como todo representante típico do Poder Sobre: classista, machista e racista deve representar a parte norte-americana que pensa que isso é supremacia.
Ao Doria leio de outra forma. O considero bem intencionado e que deseja realmente fazer uma boa gestão, boa para todos. O motivo pelo qual o coloco no grupo do Poder Sobre é o que entendo que seja a visão de mundo dele. A inclusão para ele parece ter o sentido de ajuda aos mais necessitados, de melhorar a vida deles, o que é louvável; mas coloco minhas dúvidas se ela passa pelo sentido de incluir para dividir o mesmo espaço. Eles lá, periferia, e nós com maior poder econômico, aqui. Que eles tenham uma vida digna por lá, mas eu quero perto de mim só pessoas como eu, parecidas a mim ou ao que aspiro me tornar.
Vejamos sua decisão com a Virada Cultural, por exemplo. A justificativa de segurança para colocar a Virada Cultural entre muros – sim os muros estão agora em todas partes – parte de uma visão antiga de urbanismo e cidade. Já se sabe que cidades nas quais as pessoas se apropriam dos espaços públicos terminam sendo mais seguras por haver mais pessoas nas ruas, por desenvolver o sentido de comunidade, por haver mais trocas. Vejamos também a sua lamentável decisão em cobrir os grafites da cidade. O seu conceito de ordem e limpeza de uma cidade passa também pelo monocromático, pelo igual, por afastar a diferença. A diversidade nos muros pintados em locais pré-estabelecidos – e não pichados – se contraponto ao cinza, que também deve existir, mostra uma cidade aberta, heterogênea, viva.
Conduzo minha reflexão sobre quem votou neles. Será que eles ganharam as eleições só pela questão econômica? Será que reduzimos nossos valores humanos ao nosso poder de consumo? Será que no fundo, bem calados, aqueles que votaram neles e na visão de mundo que pregam – porque é sobre isso de que se trata, certo? – querem manter os muros instalados para sentir-se diferenciados, superiores? Será?
Deixo aqui a campanha que a Aeroméxico criou em resposta ao Donald Trump (desculpem não estar traduzido).
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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