Fiquei pensando sobre o novo aplicativo Sarahah que permite deixar mensagens anônimas nos nossos amigos e colegas de trabalho, estudo, etc. Pensei sobre o que meus amigos e outros nem tanto, me escreveriam. Pensei o porquê desse aplicativo ter sido criado. Não deveríamos, em grupos, desenvolver a confiança ao ponto de poder nos expressar sem tanto medo e pudor?
A promessa do Sarahah é Get honest feedback from your coworkers and friends (obtenha um feedback honesto de seus colegas e amigos). Dificilmente usaria esse aplicativo. Simplesmente não o preciso. Como boa sagitariana o que precisa ser dito, o digo sem muitas cerimônias. Evidente que, com os anos aprendi que menos coisas precisam ser ditas e que as cerimônias podem ser delicadezas necessárias para o outro. Mesmo assim, quem me conhece sabe que, mesmo com esses filtros, sou o tipo de amiga para a quem não se deve perguntar a opinião se existe o desejo de manter uma certa ilusão sobre o assunto.
Por outro lado, o anonimato é, no meu entendimento, válido quando não se deseja correr riscos mas tampouco se quer ficar indiferente. É muito útil para denúncias que buscam trazer justiça. Mas, numa rede social fechada ela mais me parece flertar com a covardia e com a falta de um ambiente de confiança e justiça. O Sarahah parte do princípio que da forma tradicional – olho no olho ou mesmo através de mensagens, mas com a identificação do autor – a honestidade nem sempre acontece. Fato. Faz parte das máscaras sociais que usamos para lidar com nosso ambiente. Com o tempo, aprendemos quem, entre nossos conhecidos, diz a verdade e quem sempre sai pela tangente. Se nosso desejo de viver na ilusão é grande buscamos o segundo amigo. Se buscamos a verdade ou outros pontos de vista, recorreremos ao primeiro para nos orientar. Como quase tudo, viver na ilusão tem muito de escolha pessoal.
Enquanto como sociedade estamos avançando para sermos mais livres, com menos travas sociais, vivermos mais as nossas verdades, ampliando nosso sentido de diversidade para poder aceitar outras formas de vida e visões de mundo; paralelamente, como que para compensar, vamos criando mecanismos que nos permitem maior isolamento. Veja os celulares e tablets diminuindo o diálogo olho no olho – e agora o anonimato. Mesmo numa rede social entre amigos – e é esse o ponto que mais me chamou a atenção: todos os membros fazem parte de um grupo de conhecidos. Pelo jeito, parece que sempre queremos ter a possibilidade de ocultar alguma parte de nós. Até porque estar sempre descaradamente nu, por mais livre que possa ser, perde a graça, não é?
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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