Pensar e criar fora da caixa, ser disruptivo, inovador. Sejamos todos bem-vindos para as semanas de planejamento estratégico de boa parte das indústrias brasileiras. E haja post it, técnicas novas que viram moda – algumas passageiras – e facilitadores – alguns maravilhosos – entusiastas que fazem de tudo para a turma pensar diferente do seu habitual. Nos últimos anos, quando este período se inicia penso porque mesmo com tanto esforço genuíno de todos, materiais de altíssima qualidade, profissionais que admiro; o resultado, com raras exceções, tem sido de ideias que se conseguiram sair fora da caixa, caem ao lado dela?
Responder essa pergunta não é simples porque a questão está inserida num sistema complexo de variáveis que rege, hoje, os negócios, especialmente os de grande porte. Mesmo assim, provoco a reflexão sobre alguns pontos que considero estão caindo de maduros: o primeiro deles é que percebo na prática que o poder de decisão está embasada, na maioria das vezes, no não erro. A grande maioria de profissionais envolvidos na decisão, ganha mais, muitas vezes literalmente, se errar menos. Quando a perspectiva é atingir uma meta sob pena de ser punido de alguma forma, a coragem para inovar diminui. É inevitável.
Recorrente do ponto acima é a falta de visão de longevidade da empresa. O que mais noto são profissionais que mesmo com o discurso sobre o longo prazo, estão querendo é fechar o ano fiscal. Para quem visa o curto prazo, querer errar menos se torna vital. A criatividade com este marco em volta fica sem oxigênio.
Uma das causas pode ser o sistema de rentabilidade de ações para empresas que abriram capital. Vamos convir que se o ganho financeiro da ação é exigido por pessoas que nada ou pouco têm a ver com o negócio e que mudam suas aplicações assim que o cenário se modifica. É bem provável que no trade off entre o resultado anual e a longevidade do negócio, esta última fique em segundo plano.
Por outro lado, a complexidade dos mercados associado à cobrança pelo não erro tem promovido uma quase obsessão por planejar tentando prever os possíveis detalhes e cenários. Essa tentativa de enquadrar em previsões o nosso futuro tem nos levado a criar o novo a partir de inúmeras e variadas pesquisas e da observação sobre o que os diversos mercados fazem. Novamente, a questão aqui não é a forma em si, mas talvez a medida. Depois de tanta ‘condução’ analítica, como não esperar que os profissionais cheguem à mesma – ou parecida – conclusão? Se todo mundo olha o mercado, a partir do que é feito, como não se influenciar e fazer o mesmo, ainda que com roupagem diferente? Como podemos esperar profissionais criativamente disruptivos se tanto os enquadramos em dados e formatos? Será que não estaremos promovendo profissionais com dificuldade em arriscar, de usar e valorizar sua intuição e sensibilidade? De observar o novo a partir de seu cotidiano, do que acontece no mundo real do dia a dia?
O mundo está mudando. Nosso mundo está mudando. E as mudanças chegaram na nossa mesa de jantar. Ninguém pode negar isso. O que nos movia dez anos atrás é bem provável que não nos mova mais. Então, porque hiper valorizar o que foi feito para o que temos ainda a criar? Podemos e devemos nos inspirar com o que existe, e isso se tornar o vento que nos impulsione para, com coragem, usar nossa sensibilidade na construção da nova realidade. Chegamos num ponto que o mundo que estamos gerando passo a passo exige liberdade e coragem para aproveitar o vasto campo de oportunidades que ainda não foi criado.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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