Neste início de ano, pensando sobre meus desejos, lembrei de um aniversário meu de muitos anos atrás. Era uma época que trabalhava muito e tinha em mim uma quase angústia sobre meu futuro. Por conta disso, gostava de passar meus aniversários sozinha. Viajava e aproveitava o tempo para me restabelecer do ano que tinha passado e pensar – muito – sobre o novo ano.
Lembro que nesse aniversário decidi ir para uma praia em Santa Catarina. Cheguei quase noite na pousada, no dia anterior ao meu aniversário. Quando acordei o café da manhã estava na varanda numa cesta. Foi aí que vi onde estava. Lembro que meu quarto ficava frente ao mar numa encosta de montanha, numa praia quase deserta, relativamente pequena e com mar agitado. O aspecto era meio selvagem e desolado. Depois de tomar meu café, desci em direção ao mar. Não tinha ninguém na areia. Provavelmente era a única hóspede da pousada.
Estava olhando para a amplitude de areia, dunas e mar revolto quando, bem longe, vi a figura de uma pessoa caminhando em minha direção. Com o tempo percebi que era uma mulher de chapéu de praia. Tempo depois ela me alcançou, passou por mim, mas logo em seguida voltou, parou na minha frente e me cumprimentou. Confesso que tudo o que eu queria era estar só, porém, algo me fez aceitar o diálogo que se iniciava.
Infelizmente não lembro do nome dela. Só lembro da sua história: me contou que tinha um apartamento perto da praia onde estávamos. Um sonho de anos e anos que ela tinha acabado de realizar. Me disse que vinha de uma família pobre e foi criada com restrições não só de dinheiro como de alimento. Fez trabalhos de todo tipo até conseguir seguir adiante. Casou, teve duas filhas, foi feliz no casamento. As filhas tinham se formado – uma das vitórias do casal – e uma delas já era casada.
Após a formatura da segunda filha, ela e o marido começaram a se organizar para comprar o seu grande sonho, a casa na praia. Perguntei porque queria tanto uma casa na praia. Me contou que via em filmes ou ouvia pessoas com dinheiro escolhendo a praia para passar boa parte do tempo na aposentadoria. Imaginava sua aposentadoria andando pela areia – como ela estava fazendo naquele dia – vendo e ouvindo o mar. Para ela isso era sinônimo de uma velhice feliz. De que tudo na sua vida tinha dado certo.
Enquanto ela me explicava olhava para seu rosto e via como ele ia se iluminando. Como havia não só esperança, algo fundamental para passar pelos sofrimentos sem dramatizar, como uma certa inocência. Em acreditar e conseguir ver o lado belo da vida. Isso tocou meu coração. Em nenhum momento de seu relato, havia drama ou se fazia de vítima. Havia sim a consciência do esforço, que não eram potencializados para valorizar os sofrimentos vividos. Havia, principalmente, a alegria das conquistas. Dos sonhos realizados. Entendi que para ela, a luta que a vida lhe impôs, era vista como algo natural. Creio que isso faz diferença enorme na visão de mundo que construímos.
Quando já estavam prontos para comprar a casa na praia, o marido adoeceu e faleceu. Foi um golpe e choque para ela. Demorou um tempo para se recompor. Parte de seu sonho era viver esse amor maduro perto do mar. Mesmo nesse momento do relato, ela parecia em paz com a vida. Um ano após o falecimento de seu companheiro, ela comprou o apartamento nessa praia quase deserta.
Enquanto a ouvia, meu sentimento era de gratidão. Tinha ido para a praia sozinha com o intuito de pensar no meu futuro. Na época já tinha minha empresa, a Behavior, e podia dizer que tinha uma carreira consolidada, embora como pequena empresária neste país, cada ano era um desafio novo. Lembro que poucas coisas me deixavam muito feliz. E, com certeza, não tinha nem um grande sonho que me guiasse nem a alegria de saborear cada instante, como via essa senhora fazer.
Quando ela levantou para ir embora ela tinha me deixado o ensinamento de sonhar e atingir sonhos com leveza e alegria. De ver os momentos difíceis da vida como partes dela. Sem dar tanto foco a eles. Sem querer que a valorização desses momentos, me tornassem uma heroína. Sem dúvida um dos melhores presentes de aniversário que poderia ter.
A tarde liguei para ela e a convidei para jantar comigo. Foi com ela que celebrei meu aniversário e sem dúvida, um novo tempo na minha vida. Ela feliz por jantar fora, num lugar diferente, e eu alegre por ter como companhia uma mulher madura leve, alegre e sonhadora. Espero que ela receba a minha gratidão, onde quer que esteja, e que você comece seu ano sonhando levemente.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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