Quando os primeiros Movimentos Humanos começaram a tomar forma nas minhas análises de pesquisa, fiquei entusiasmada com a possibilidade de observar novas formas sociais sendo criadas. Comecei a ver, por exemplo, como o homem ia tomando contato com sua sensibilidade, alterando seu aspiracional masculino. A esse processo e tudo o que isso implicava, chamei do Movimento Humano O Homem Sensível. Vi também como o desejo de viver um amor romântico-companheiro que a mulher e o homem tinham, mesmo que nem sempre ousassem confessar, tinha se tornado uma realidade. Chamei essa forma de Movimento Humano A Volta do Amor.
Alguns anos antes dos Movimentos Humanos surgirem para mim, tinha captado sentimentos que mostravam ruptura com velhas formas. Esses sentimentos, comuns em grupos alternativos, estavam disseminados, com maior ou menor grau, em toda a sociedade. Não eram mais exclusivos de nichos sociais e considerei esse fato, a grande diferença. Ao longo da história, houve grupos chamados de alternativos justamente por se contraporem ao status quo. Suas influências afetavam o status quo, porém parecia que, na maioria das vezes, a força para promover a mudança se diluía. Somente, em alguns momentos da nossa história, a força desses grupos alternativos, quando se uniam à grande população, mesmo que por motivos diversos, ganhavam poder necessário para mudar o status quo regente.
De certa forma, senti que estávamos nesse momento de ponto de virada. Vi que a insatisfação e o desejo de mudança permeavam todas as camadas sociais e etárias. O que me fez compreender que estávamos frente a um Movimento Humano de grande porte, que chamei de A Desestruturação e foi o primeiro a ser descrito porque abre as portas para esse novo momento social: o momento da quebra de formas estabelecidas. Era o momento da ruptura e destruição. E ao mesmo tempo, o tempo da “não forma”.
Se tivéssemos tido menos medo do que sentíamos por andar através do aparente caos que estava instalado, poderíamos ter aproveitado mais esse momento maravilhoso e rico que é o momento da não forma. O momento em que os modelos que seguimos para nos sentir “normais” e adequados, não fazem mais sentido, são criticados e colocados como errados; e ainda não construímos novos modelos para seguir. Esse momento é de certo vazio. E por conta disso, o momento de criação plena. O momento em que as possibilidades são quase infinitas. O momento em que somos capazes de expressar nosso ser sem tantos pudores e parâmetros reguladores.
Porém, parece que a não forma nos angustia ao ponto de mitigar o alívio que a liberdade traz. Por algum motivo, parece que não aguentamos ser tão livres como sonhamos ser. E aqui estamos nós, novamente, depois de muitas lutas gloriosas, escolhendo formas, enquadrando realidades, formatando vidas em poucos modelos. E, em muitos casos voltando bem perto das formas que tanto tinham nos empurrado para A Desestruturação.
Nesse andar não há certo ou errado, mas fica em mim a dúvida e reflexão, se tanto esforço e tanta dor que a ruptura causou não merece mais ousadia? Não justifica sair do conforto e da estabilidade emocional – falsa ou verdadeira – que é viver no conhecido. O quanto, de fato, estamos trazendo algo novo para nosso mundo? Ou será que estamos vestindo com roupagens novas velhos personagens?
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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