Durante um longo e prazeroso almoço o tema do racismo surgiu após discutirmos que o ambiente politicamente correto estava tornando tudo muito chato. Segundo alguns, havia um exagero. Não é a primeira vez que ouço esse tipo de comentário. Sim, acredito que em alguns casos possa haver exagero. E mesmo assim, considero que ele seja vital.
O diálogo caiu nas propagandas atuais que para alguns mostram “exageradamente pessoas negras”. Segundo eles, estava havendo um exagero. É claro que essas pessoas não se consideram racistas. Como me diziam para comprovar sua tese de não racismo: possuem amigos negros, trabalham de igual a igual com negros… Só que na opinião deles, a presença de negros na propaganda não era natural. Perguntei: e ter só atores brancos, é? Num país que mais da metade da população não pode ser considerada branca? É exatamente disso que se trata o racismo inserido em boa parte da nossa sociedade. De forma sutil, mas consistente. Nós dificilmente conseguimos nos dar conta de quão racistas podemos ser. É como um câncer que vai nos corroendo sem perceber.
A maioria de nós desconhece como é criada a realidade. Aquilo que consideramos real, normal, natural e, por lógica, correto. A realidade costuma ser construída por todas as mensagens que ouvimos, vemos, sentimos desde que nascemos. O que consideramos, por exemplo, atitudes e comportamentos natural e normal numa menina, é ensinado. O mesmo acontece com os meninos. Embora faço parte do grupo que considera que nem tudo é cultural (ensinado), reconheço que ela tem um peso preponderante sobre o que consideramos normal e natural.
Nossa realidade foi construída por países colonizadores. Ao sermos colonizados, fomos associando durante séculos de narrativas consistentes e convincentes que as peles originais deste país e do continente representavam seres “selvagens”, inferiores. Sendo que o que significa e representa ser civilizado foi criado por eles. Assim, no nosso inconsciente, as pessoas de pele branca são as mais evoluídas, mais confiáveis, mais cultas. Elas representam a régua que mede o que é certo, correto e melhor.
Esse conceito de realidade atinge todos nós. Inevitavelmente. Inexoravelmente. Importante tomar consciência disso. Eu luto contra essa forma de pensamento todo dia. Lembro que no almoço contei uma passagem da autobiografia do Nelson Mandela que me tocou profundamente. Ele estava na clandestinidade, se organizando para voltar à África do Sul para lutar contra o apartheid quando num dos países pelo qual passou entrou num avião cujo piloto era africano. Ele escreve que a primeira reação foi se assustar e duvidar, por alguns segundos, da capacidade desse piloto. Nesse momento ele se deu conta quão profunda e poderosa tinha sido a mensagem bombardeada dos colonizadores. Se até Mandela não conseguiu evitar esse pensamento, imaginem, nós, simples mortais.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
0 Comments
Leave A Comment