Aprendemos desde cedo a colocar máscaras para lidar com o mundo. Nossos pais nos ensinam que não devemos expressar tudo o que pensamos e queremos dizer. De certa forma, vamos aos poucos aprendendo a calar e mentir. Comportamentos que assumimos benéficos e corretos para morar em sociedade. Com o tempo, desenvolvemos também o traquejo social que vai criando nossa persona – personalidade que usamos para nos apresentar socialmente – a qual ativamos assim que colocamos o pé fora de casa. Costumamos ter várias personas. Cada uma adequada a cada núcleo social. Todas unidas a uma persona principal para representarem o mesmo ser humano com diversas facetas.
Em tempos de veracidade e valorização da vulnerabilidade, trago à reflexão o quanto, acredito, essas personas são benéficas para nos ajudar a lidar com o mundo externo. Estarmos totalmente abertos e expostos nem sempre são coisas boas ou positivas. Sinto isso claramente no meu processo criativo quando estou escrevendo meu livro. Quanto mais me aprofundo nos pensamentos e sentimentos para trazer veracidade ao meu texto, mais sinto que vou ficando vulnerável. Vulnerabilidade que me deixa com a sensibilidade aguçada. Bom para a escrita e as reflexões, ruim para o convívio social. Nesse estado, tudo se sente. Tudo te pega. Difícil filtrar.
Como tudo, existe uma medida que determina se a vulnerabilidade será positiva ou negativa. Por outro lado, quando usamos demais as máscaras, a persona, vamos nos distanciando de nós mesmos. Nos esquecemos de quem somos. Pior: ao assumirmos desde cedo uma persona, nem aprendemos a ser nós mesmos. Usando os modelos disponíveis no ambiente social que frequentamos ou desejamos frequentar. Vamos assumindo a mesma forma de expressão, os mesmos traquejos, o mesmo estilo de vestir e até de viver.
Lembro que quando jovem desenvolvendo minha carreira, aprendi a ser um tipo determinado de mulher profissional. Aprendi pelos modelos femininos que me rodeavam. Pelo ambiente, as vezes inóspito, para uma jovem mulher. Aprendi. Após os trinta, senti que precisava desaprender para voltar a ser eu mesma. Nesse momento descobri que não tinha certeza de saber quem eu era. Foram anos de buscas e encontros até me reconhecer como o ser humano que de fato era. Dali a construir outra persona, mais alguns anos de trabalho.
Trazer consciência à escolha da persona é o segredo. Saber distinguir e escolher as medidas do que é componente externo e o que é nosso. De como fazer essa mistura acontecer. Quando conseguimos, acredito que estejamos no estado positivo da vulnerabilidade. Menos armados, menos montados, menos infalíveis. Mais autênticos, mais sensíveis, mais humildes. Só que com o distanciamento necessário que cuide do nosso íntimo. Como tudo na vida, criar e usar a persona que realmente represente nosso ser, é uma arte. Arte que levamos boa parte da nossa vida, para desenvolver a sua maestria.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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