Busquei iniciar as entrevistas do Projeto Uno logo após as eleições para captar o mais próximo possível o espírito das pessoas. Saber como o ambiente tóxico das eleições tinha tocado pessoas comuns. O quanto esse ambiente tinha influenciado sua visão de mundo. Especialmente no que se refere à identidade feminina e masculina. Centro dos meus estudos. Devo confessar que esperava encontrar pessoas com alto grau de agressividade. Algumas felizes pelo resultado e a fim da dar o troco pelos anos petistas; outras tristes e raivosas torcendo para que dê tudo errado. Ledo engano. O que tenho encontrado são características fortes nos brasileiros: delicadeza e desejo de paz.
O ânimo é de pós festa muy loca: misto de vergonha e ressaca que faz nosso corpo lembrar por dias que na próxima precisamos nos conter mais. Óbvio que devem existir pessoas raivosas – e perigosas – por aí. Os índices de violência demostram claramente isso. E dependendo do ambiente, elas parecem piores do que já são. Só que devemos sempre lembrar que a maioria – e eu disse maioria – é formada por cidadãos comuns assustados com o que aconteceu e querendo levar a sua vidinha de sempre.
Essa comprovação me trouxe dois sentimentos contraditórios. Um vem de encontro com o desejo de alienação pós eleições que tomou conta de mim. Há um tempo tenho ouvido menos rádio de notícias e lido mesmo jornal. Me dei o direito de ficar alienada. Nem que seja um pouquinho. É meu recesso. Meu tempo de reorganização. Nesse estado pareço mais com o brasileiro comum: desejando continuar a minha vidinha.
O outro é a tristeza em constatar que o cidadão comum, como tão bem analisou a maravilhosa filósofa Hannah Arendt, é de certa forma o mais populoso e, porque não, perigoso da sociedade. Justamente por sua capacidade de querer restringir o mundo a seu mundo. Por permitir, com a sua indiferença e neutralidade, que atrocidades aconteçam. Para quem não leu ainda Hannah Arendt vale aqui mencionar que ela escreveu sobre a condição humana e sua banalidade do mal. Do perigo desse cidadão comum que pouco se importa com o efeito de sua atuação e participação na sociedade. Aquele cidadão que só segue regras, considerando assim, que fez a sua parte.
Hannah nos incomoda lembrando que ser neutro também é uma decisão e posição política. E nos torna não só testemunhas, como partícipes do que está acontecendo. Como lidar com esses dois sentimentos contraditórios: o desejo de alienação – quem não? – e o desejo de atender a minha consciência? Para alguns a chegada do fim do ano pode ser mais um pretexto para continuar pelo caminho da alienação. Para outros, justamente essa virada de ano por simbolizar fim e início de ciclo, signifique, se empoderar para agir no mundo. Qual caminho você deseja seguir?
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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