Continuando minhas reflexões sobre o documentário Sexo e Amor Pelo Mundo (o primeiro texto você acessa aqui), trago agora o tema da Felicidade. Um dos sete Movimentos Humanos que lancei em 2013, A Tal Felicidade mostra como ser feliz tinha se tornado um dos grandes motivos de existência da nossa sociedade contemporânea.
Se o questionamento sobre a felicidade existe há séculos, é nestes tempos contemporâneos que ela é vista como prioridade na vida de uma pessoa que possa ser considerada saudável física, psíquica e emocionalmente.
Qualquer pessoa que tenha mais de 35 anos poderá lembrar que na sua infância, a busca pela felicidade não era colocada como meta de vida. Não era nada comum alguém desejar a outra – nem aos próprios filhos – que ela fosse feliz. As pessoas desejavam trabalho, sucesso, saúde, um bom casamento, filhos saudáveis, dinheiro… Mesmo que a soma de todos esses itens possa, hoje, ser considerada felicidade, o desejo explícito de “felicidade” – e toda a amplitude que vem tomando – é recente na nossa sociedade.
Mudamos tanto nossa forma de ver a vida nas últimas décadas, que pela Tal Felicidade, é aceito abrirmos mão de responsabilidades, antes, fundamentais – como cuidar de filhos ou estar próximos e cuidar de nossos pais quando envelhecem, por exemplo. Mais: vemos isso como saudável. As pessoas precisam lutar pela sua felicidade, dizemos. Dessa forma, potencializamos a individualidade e o egoísmo. Características que, quando exacerbadas, somos os primeiros em reprovar. A pergunta é: como a individualidade e o egoísmo não vão ficar exacerbados se a mensagem o que vale é nossa felicidade, está por toda parte?
Enquanto fui assistindo os episódios do documentário da Netflix, fui notando como o Oriente possui uma visão de mundo diferente, quase oposta, sobre o motivo de vivermos. Isso me levou para minha infância e adolescência. Minha mãe era de família japonesa. Mesmo nascida no Peru, foi criada por pais japoneses dentro de uma colônia japonesa no nosso país. Mesmo ocidentalizada, minha mãe tinha muitos traços da cultura japonesa na sua personalidade. Pensar sempre no outro para não incomodar – que aos nossos olhos ocidentais podia parecer exagerado – e o dever como guia para uma vida adulta, são alguns que deixaram marcas na minha vida.
Podem nos chocar algumas cenas e frases dos episódios que acontecem no Oriente quando assistimos como, especialmente as mulheres, veem seu futuro. Só que se tirarmos a lente da felicidade como meta de qualquer vida saudável, poderemos ter outros entendimentos sobre a visão de mundo dessas mulheres. Mesmo não concordando com elas.
Mais do que criticar como as mulheres são tratadas, o ponto na reflexão que trago, é se no Ocidente, fomos além do ponto que poderíamos considerar saudável socialmente a nossa busca pela felicidade. Como parece ser que no Oriente exageraram na direção oposta. Ao focar no dever e responsabilidade, deram um tom quase pecaminoso ao prazer e a felicidade.
Após a tragédia da barragem em Brumadinho. Bastante consternada pela dor das pessoas que tinham perdido seus entes queridos, ouvi uma amiga dizer: “Por isso devemos aproveitar bem a vida. Não sabemos se estaremos aqui amanhã”. Olhei para ela e fiquei em silêncio. Lembrei do David Letterman entrevistando Barak Obama. De como me chamou a atenção sua expressão, de quase vergonha, ao dizer que enquanto estava acontecendo a Marcha de Selma (conhecida como Domingo Sangrento, dezenas de negros foram brutalmente interrompidos pela polícia branca); ele, jovem, estava indo com os amigos ao Havaí porque lá podiam beber cerveja. Foi mais ou menos o que vi minha amiga fazer, ao dizer essa frase. Nessas horas, agradeço os traços orientais que ainda existem em mim.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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