Existe uma história que, com pequenas variações, é contada e bem aceita por boa parte das pessoas que se interessam sobre a equidade entre os gêneros feminino e masculino. Essa história conta que a mulher foi à luta – incentivada por mães sofridas que as criaram para “não depender de homem algum”. Que ela teve que enfrentar preconceitos e assédios, sejam estes diretos, indiretos ou perversamente insidiosos.
Que essa mulher batalhou cumprindo jornada dupla, tripla, ou quantas vezes fosse necessário, para sair de um lugar de, muitas vezes, vulnerabilidade social, para ter o direito de ocupar seu lugar ao sol – cabe deixar claro aqui, que há séculos, a mulher trabalha contribuindo com a renda familiar. A diferença está em ocupar um lugar ao sol.
A história conta que, corajosa, essa mulher viajou, passeou e invadiu as ruas sozinha ou acompanhada por companheiras iguais a ela. Preencheu seus dias e noites e a conta bancária. A história conta, que essa mulher é vitoriosa. Seja por ser uma sobrevivente de um ambiente de vulnerabilidade, seja por ter chegado onde nenhuma outra mulher da sua família chegou.
Envolvida na batalha pela equidade, ao coletar vitórias, ganhou autoestima e segurança sobre sua força e papel social. De sua importância. Seu lugar ao sol estava, por fim, reconhecido. A história conta que em determinado momento, boa parte delas decidiu buscar um amor que a respeitasse no novo status. Estabelecer uma relação com valores que falasse mais com sua alma.
Essa mulher se aconchegou na relação romântica-companheira com o Homem Sensível. Um dos tipos de homens que vi surgir nos meus estudos, à medida que a mulher da nossa história, ganhava espaço social (leia mais sobre ele no Movimento Humano com esse nome).
Juntos, decidiram criar um mundo próprio, longe dos olhares escrutinadores e preformatados da sociedade. Juntos, sonharam e juntos prometeram ter uma relação com regras próprias. Juntos tentaram criar um Microcosmo que lhes permitisse viver mais de acordo com seu sonho do amor romântico-companheiro.
É neste ponto que a história para de ser contada por ela estar sendo criada neste momento.
Do segmento que descrevi acima, notei nas últimas entrevistas do Projeto Uno, que nem todas tiveram um final feliz. Uma parte das mulheres está cansada e decepcionada. Muito dessa decepção deve-se, passado o encantamento com o Homem Sensível, a não notar a potência perante a vida que ela esperava do companheiro. Potência construtiva, realizadora e, porque não, desbravadora. Essa falta de potência pode ser que se deva a uma fraqueza interior, que ela confundiu com sensibilidade. Nesses casos, acredito, a situação fica difícil.
Porém, há outro grupo de Homens Sensíveis que mesmo não acionando sua potência construtiva, o fazem por um motivo bem distinto. E é para essas mulheres e homens que dirijo este texto: talvez falte compreender a este grupo que o Homem Sensível não tem nenhum próximo passo estabelecido para dar. Não há modelos positivos massificados para se espelhar. Que está tudo em construção.
Se a mulher está orgulhosa da forma como vem construindo sua nova forma de ser, é injusto esperar – e cobrar – que a construção do outro seja da mesma maneira. Os históricos e talentos desenvolvidos na luta pelo lugar ao sol, são diferentes.
Essa mulher poderia refletir que aquilo que lhes encantou no Homem Sensível, sua sensibilidade, pode ter sido obtida pela diminuição da sua potência. Potência que por séculos foi manifestada através de atitudes mais próximas ao machismo, do que à relação equitativa. Formas que esse Homem Sensível pode não estar querendo acessar.
Como sair desse impasse? Quando a ideia social que rege essa relação insatisfeita é que ela, se não tiver modelos, corre atrás de criar os seus. E que ele, sem modelos, se recolhe, se paralisa. Ambos cansados do outro não ser o que esperavam que fosse. Seguir modelos velhos e bem mais fácil, não é? Não é a toa que vários, na dificuldade de lidar com o vazio que o novo, inevitavelmente traz, estão caminhando para retornar a eles.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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