Aprendi a gostar de filmes e desenhos animados da Disney com meu marido. O fato de ter aprendido a gostar mais deles como adulta me faz vê-los com um olhar de pesquisadora e analisar as mensagens que eles transmitem para nós. Um dos contos de fadas que gostei de ver na telona do cinema e no palco como musical, A Bela e a Fera, é meu tema de reflexão neste texto. Para mim, esse conto de fadas representa o que vejo bastante nas minhas pesquisas: a crença de que cabe às mulheres a tarefa de transformar o monstro em um lindo e amoroso príncipe.
Lembro que, já adulta, quando conversava com minha mãe atitudes que meu pai tinha tido (meu pai faleceu quando ainda era nova), ela após bastante discussão me dizia, como se fosse uma conclusão: ele era homem. Esse ele era homem parecia conter em si uma série de desculpas para qualquer má atitude que ele tivesse tido. Sei que o mesmo pode se aplicar à mulher – ela é mulher –, carregando com isso uma série de prerrogativas e deveres. Meu ponto aqui é que, no caso, “ele era homem” significava basicamente, desculpas.
Há alguns anos, me aprofundei nesse tema. Ouvi mulheres de todas as idades e classes econômicas que viviam lutando para “transformar” seu homem. Ouvi-las me fez chegar a algumas conclusões sobre as crenças de ser mulher. A que gostaria de compartilhar com vocês e trazer para nossa reflexão é a de que as mulheres se acreditam melhores do que os homens.
Essa crença feminina afirma que as mulheres são mais maduras, mais organizadas, mais capazes de realizar diversas tarefas. Mais responsáveis e sabem lidar melhor com as coisas da vida (problemas de ordem geral, saúde, burocracias etc.). Por causa dessa crença, as mulheres entram numa relação com a tarefa – pensam que quase genética! – de melhorar seu homem. Essa luta, na maioria das vezes inócua a menos que ele queira, faz com que elas aceitem relacionamentos abusivos e infelizes. O que pode existir por trás dessa crença? Penso que boa parte é ego puro. Desejo de superioridade, que se mistura com a percepção, que seu homem é como um filho. Assim, a esposa é uma quase mãe.
Como quebrar essa crença? Da minha experiência pessoal posso dizer que, quando percebi o quanto de ego havia nesse tipo de relacionamento amoroso, decidi que queria alguém com o mesmo nível de desenvolvimento que eu – ou, pelo menos, com um nível bem próximo. Para isso, antes é necessário desenvolver autoestima e humildade, de modo a poder enxergar a si próprio com um grau aceitável de lucidez. Obviamente, nessa busca, haveria aspectos em que ele seria superior, outros em que eu seria superior, mas queria alguém que estivesse na mesma média que eu acreditava estar. Isso transformou tudo. Eliminou de cara uma série de possibilidades que perderam atratividade.
Há um outro ponto que a partir de minha escolha feita. Compreendi por outro ângulo a crença de que a “mulher é melhor do que o homem”. Não só as mulheres como também os homens foram criados sob essa sina. Assim, as mulheres desenvolveram mais habilidades do que os homens para lidar com a vida do dia a dia (ainda hoje vejo pais jogando esse peso para as filhas mulheres e poupando os filhos homens). Portanto, por sermos oriundos da mesma visão de mundo, o homem ao meu lado realmente precisará de uma ajuda extra para desenvolver aspectos que para mim são fáceis (assim como ele me ajudará a desenvolver meus aspectos pouco desenvolvidos).
Querer que o homem esteja tão pronto quanto a mulher nas questões da vida (e quero deixar isso claro, me refiro ás questões práticas e emocionais da vida) faz parte da ilusão do ego. Continua sendo ego porque parte do patamar que melhor é o nosso modo de ser. Quem disse que o ponto de excelência é só feminino? Que a forma como lidamos com o mundo é de fato “a melhor”? Quem sabe a mistura dos dois gera uma nova forma, distante dos modelos individuais?
Numa apresentação da minha palestra A Masculinidade, algumas participantes começaram a falar que estavam cansadas de continuar ajudando os homens. De ter que constantemente puxá-los, lembrá-los de fazer. Estavam cansadas. Com razão. Creio que é importante ter consciência, primeiro, se o homem quer a transformação. E não é só falar, mas querer de fato, ou seja, fazer. Porque se ele não quer se transformar, todo esforço é em vão. Nesse caso temos dois caminhos: ou vivemos nos cansando até morrer ou saímos dessa relação. Sofrer a vida inteira também é uma decisão, mas talvez valha a pena uma bela terapia para entender o porquê dessa escolha.
Caso o homem realmente queira a transformação, creio que não há outra alternativa, pelo menos no início, a não ser: ajudar, ajudar, ajudar. Por quê? Por amor. Simples assim. Ele provavelmente nunca foi incentivado a desenvolver esse lado. Para não parecer que cabe só à mulher – cuidado com nosso ego de supermulheres –, eu gosto de me lembrar de tudo aquilo que meu marido me ajuda a ser melhor. E de como há aspectos nos quais que ele insiste pacientemente e eu evoluo pouco. Talvez devamos olhar para nós mesmas e ver no que podemos evoluir também. O caminho de equidade entre os gêneros é novo para todos. Ninguém está pronto. Vale recorda isso sempre que o nosso ego disser que, nós mulheres, somos superiores e que cabe a nós essa posição no mundo.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
0 Comments
Leave A Comment