Nesta semana que faço aniversário, é inevitável refletir sobre minha vida. Sem dúvida, a faixa etária dos cinquenta aos sessenta é muito especial. Você pode escolher envelhecer como um idoso, antecipando a velhice propriamente dita; você pode negar a sua idade e querer viver a vida como se tivesse quarenta anos ou você pode viver como se tivesse a idade exata idade que tem. Eu escolhi a última opção.
Cada faixa etária tem sua importância, tem seu valor e riqueza. Creio que, quando você passa pela vida completando, conscientemente, cada um de seus ciclos, pode haver arrependimentos, pode haver pequenas frustrações de vontades não realizadas. No balanço final, há a sensação de vida vivida. É assim que eu sinto a minha. Vivi e tenho vivido conscientemente cada fase da minha existência. Talvez por isso minha sensação não seja de falta, de vazio, de busca, e sim de prontidão.
Estou pronta para a vida como ela vier. Tenho muitas ideias para a fase que vai da minha idade até os sessenta. Creio que a maturidade que fui construindo me proporcionará um estado de segurança para lidar com a vida e meus desejos. Como se constrói isso? No meu caso foi com fé e presença.
Quando jovem, era angustiada. Rebelde contra o sistema – ainda sou, graças ao bom Deus! –, por isso era impetuosa e agressiva com o mundo. Creio que consegui dissolver boa parte da impetuosidade. A agressividade a guardo um pouco. Às vezes, considero-a necessária. Um pouco. Ela, assim como a raiva, não é positiva – que fique bem claro. Principalmente quando ela resulta em agressão física, situação a que eu não chegava. Meu modus operandi sempre foram as palavras. Num sistema de subjugação ou injustiça, a agressividade ajuda a parar um processo em curso, quando colocada em boa medida. Aprendi isso com os anos. Especialmente a regulagem da “boa medida”.
Sobre os dois atributos que considero importantes para chegar plena à minha idade são fé e presença; a fé desenvolvi em casa. Minha mãe tinha muita fé. Ela me contou que um dia, ainda adolescente, viu Nossa Senhora parada na porta do quarto em que dormia. Verdade? Sonho ou fantasia? Não importa. Ela orava todo dia. Ela pedia. Ela acreditava. Quando cheguei ao Brasil, um país aberto à miscigenação até na espiritualidade – mesmo o Sul, que nos idos da década de 80 era uma região mais europeia que brasileira, comecei com a prática espiritual. Após décadas de estudos, práticas e meditação, que eu chamo de interiorização, considero que, hoje, minha espiritualidade e eu somos um. Como sempre foi. Só que agora isso é consciente.
A Harvard Study of Adult Development (Estudo sobre o Desenvolvimento Adulto de Harvard) uma das pesquisas mais longas do mundo sobre saúde e bem-estar, vem acompanhando homens há 75 anos. Uma das conclusões mais importantes do estudo é que ter uma crença espiritual/religiosa é um dos principais motivos para as pessoas sentirem bem-estar na velhice. Ter fé em algo maior, ajuda. A fé amplia horizontes, justifica, equilibra e desenvolve a amorosidade com o outro.
O principal motivo, segundo a pesquisa de Harvard, é ter relacionamentos profundos. Creio que isso chama mais a atenção num país como os Estados Unidos, que desenvolveu uma cultura individualista como poucos. Vale a dica para o Brasil, que segue fortemente o modelo cultural norte-americano. Como anda a vida? Como andam teus relacionamentos? O tempo é o pretexto – muito real, devo confessar – para não se aprofundar neles? Será?
Questiono porque, com mais de vinte anos como pesquisadora do ser humano, posso dizer que poucos se aprofundam. Por vários motivos. No quesito de amizade, a maioria prefere se divertir. Diversão é algo bom e necessário, mas não aprofundo. Pelo simples motivo de fluir na superficialidade. E é ali que ela cumpre seu papel, como a sacudida do cachorro quando se molha. As conexões profundas exigem ouvir e falar. Sem pressa. Exigem pausas, silêncios, toques, emoções aflorando.
Estar receptivo e disposto a se relacionar profundamente exige presença. Um dos itens que eu acredito me ajudam a me sentir bem e plena. Presença significa estar consciente. Estar consciente, para mim, significa estar plena. Quem busca plenitude na vida – essa sensação que talvez explique melhor o sentido de felicidade de que tanto se fala hoje em dia – precisa passar antes pelo processo de consciência. E consciência vem do autoconhecimento. Não tem jeito.
Terapia e análise. O melhor caminho que eu conheço para ter consciência de quem se é. Saber quais são nossos valores e crenças. O que nos guia. Tomar decisões com consciência pacifica o coração. Traz segurança. Acomoda melhor os altos e baixos da vida. O caminho terapêutico é longo. Quem sabe, sem fim. Mas aí você para um tempo. Volta. Toca só naquele ponto. Como acupuntura.
Discordo da ideia de “problema” para o trabalho terapêutico e analítico. Até porque isso cria resistência e aumenta o preconceito. Gosto da ideia da humildade de se saber imperfeito: todos temos partes em nós que desconhecemos e que nos guiam. Todos precisamos nos conhecer melhor para sermos mais conscientes de nossas decisões. Ninguém nasce pronto. Adoro a frase de Carl Jung “Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida e você vai chama-lo de destino“.
Eu fiz terapia por muitos anos. E voltei algumas vezes. E, quando sinto que preciso esclarecer alguns pontos que não consigo superar, lá vou eu de novo. Tranquila. Sei que é um processo doloroso. O que posso dizer é que o pior passa uma vez que compreendemos. No momento da dor profunda, é necessário ter força. Ter coragem. Mas sem coragem a gente ao invés de encarar a vida é levado por ela, não é mesmo?
Sei que me falta um bom caminho para crescer, melhorar, evoluir. A plenitude não tem a ver com concluir o nosso desenvolvimento. Até porque creio que o desenvolvimento humano não tem fim. Tem a ver com estar plena, presente, inteira, em cada um de seus estágios. Completar com consciência cada ciclo. Provavelmente, é o que chamamos de maturidade.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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