Em um dos textos, escrevi sobre as mulheres executivas que são mães e a oportunidade que elas têm de usar a praticidade, tão desenvolvida no ambiente corporativo, para lidar com essa gloriosa missão. Continuo com o tema Mães Executivas e, desta vez, irei escrever sobre as executivas que decidem tirar um período sabático para cuidar do filho antes de retornar ao trabalho. Dependendo da cultura da empresa para a qual irão retornar, será uma tarefa difícil.
Em primeiro lugar, devemos entender que o lar é uma centrífuga que, se você não se cuidar, irá consumi-la inteira, e sobrará de você somente bagaço. E aqui ainda nem estou falando do bebê e de crianças. Só da casa. Trabalho em casa desde 2008, quando decidi fechar o escritório para ter mais tranquilidade para minhas pesquisas. Ficar em casa é uma constante abertura de visão. Exatamente o contrário do foco, tão valorizado no ambiente corporativo. Você pode ser organizada – aliás você deve –, mas a casa tem vida própria. Você está concentrada quando, de repente, vê uma enérgica fileira de formigas que, organizadas militarmente, estão acabando com as folhas de tuas plantas. Você pode ignorar e depois passar no mercado de plantas e comprar outra, ou você para tudo e vai lidar com elas.
Você pode, no início, fingir que não viu as formigas ou o ar-condicionado que está pingando ou, ainda, a mania de teu marido ou filho de deixar o suco, de todos, fora da geladeira. Pode. Só que precisa de muita fleuma para lidar com isso dia a dia, por meses e anos. O que eu aprendi comigo mesma trabalhando em casa – e olha que eu não tenho filhos! – e com as mulheres que fizeram a opção de ficar dois ou até cinco anos fora do mundo corporativo para ficar em casa cuidando dos filhos, é que a forma de raciocínio muda. Fica mais complexa mesmo. Mais variáveis são colocadas constantemente no nosso centro de decisões. É o filho que acordou com febre, é a auxiliar doméstica que não virá, é o gás que está vazando e é o texto que precisa ser finalizado para ser postado…
Quando trabalhamos fora, por ossos do ofício, há um desligar dos detalhes dessas questões. Questões que, vale lembrar, são vistas como menores por quase todos, incluindo nós, até sermos responsáveis por elas no dia a dia. Delegamos. Simples assim. Ou resolvemos da melhor maneira possível dentro da nossa limitação de tempo x comodidade. Afinal, já temos questões “relevantes” a tratar na empresa. Novamente, trata-se do trade off necessário que comentei no outro texto. No meu entendimento, não dá, desculpem, para ser uma cuidadora do lar em todos os detalhes, dividindo o tempo entre trabalho, família e vida pessoal. Vale sairmos da visão romântica da perfeição e encarar que o mediano feito com amor é mais do que perfeito!
O perigo de ficar em casa é que, além de ter que cuidar da casa que é “viva” e do(s) pequeno(s) rebento(s), a família – e quando falo em família me refiro a todos mesmo – acha que, por estar em casa, você está disponível. Disponível para acompanhar alguém ao médico, para comprar algo, para buscar uma informação. Sabe o famoso “já que está...”? Há, no fundo, uma visão generalizada de que quem está em casa faz pouco e/ou tem tempo sobrando. Ledo engano. O difícil nesse momento é você colocar o limite e simplesmente dizer não. Mesmo que seja vista como egoísta ou qualquer coisa do estilo. Aliás, dizer não é uma das coisas mais salvadoras da alma que eu conheço.
No início você fica firme: diz não, olha para as formigas e já coloca na lista a terceira planta que você irá comprar. Porém, mesmo sem notar, você vai mudando. Você vai mudando e seu olhar vai alargando. Você vai ampliando e saindo do foco e praticidade corporativa – até porque logo, logo você descobre que essa praticidade não faz parte do raciocínio da mão de obra que vem reparar teu ar-condicionado. É outra forma de lidar com a realidade. Que não é necessariamente pior ou melhor. Mas com certeza diferente. A lógica é outra e, sem nem notar, você vai compreendendo-a e assimilando-a. A criança, motivo de tua decisão de ficar em casa, faz esse milagre acontecer – e digo milagre porque considero que o fluxo da vida doméstica esteja mais próximo ao fluxo da vida real do que o fluxo criado pelo mundo corporativo.
Só que uma hora você quer voltar para o mundo corporativo. Você quer voltar porque também gosta do ambiente desafiador e relacional desse ambiente. Que, a seu modo, também ensina e promove desenvolvimento. Sem contar o dinheiro que ele oferece. É nesse momento que as coisas começam a não dar muito certo. Como se encaixar de novo no modelo estreito do foco corporativo? Como ficar presa a locais e horários quando a vida está em máxima evolução lá fora? Como ficar sentada, reunião após reunião, com tanta coisa a ser feita? Difícil. Especialmente se você gostou e se acostumou a viver na complexidade da vida.
Penso que as empresas não estão preparadas para receber essa mulher que ficou dois, três, cinco anos fora do ambiente corporativo cuidando dos filhos, da família, da casa e da vida. Uma pena, porque elas voltam mais plenas, ricas. Poderiam – e muito! – , contribuir com a mudança da cultura organizacional de que tanto se fala e que poucas conseguem fazer. Essas mulheres poderiam promover uma microrrevolução gerando um fluxo mais orgânico naquilo que é possível. Poderiam oferecer um olhar sobre como resolver problemas com soluções simples – algo que a gente aprende com a criativa mão de obra que vem prestar serviços em casa.
Claro que também devo mencionar aqui as mulheres que ficam perdidas na teia da vida. Infelizmente conheço várias. Tornam-se pouco produtivas pela capacidade de dispersão e falta de finalização. Falta de direcionamento mesmo. São aquelas que, para ir comprar uma cenoura, aproveitam e conversam meia hora com quem encontrarem no meio do caminho. E quando vão cozinhar se lembram de algo e começam a digitar no WhatsApp, atrasando o almoço de todos. São elas que se levantam para pegar algo e se distraem com algo ou lembram algo e deixam sem conluir o que começaram. Ou entram nas redes sociais visualizando e comentando os posts de todos. Até dos que não conhece. Nestes casos, realmente o mundo corporativo não se encaixa. Nem a própria vida do labor. Esse grupo, reconheço, é feito de mulheres – e, claro, de homens – que não gostam do trabalho profissional. O trabalho profissional exige disciplina, direcionamento e finalização. Para estes, melhor não se autoenganar. Fica aqui a dica para refletir em qual perfil você se encaixa.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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