Na época da última eleição presidencial, quando a fase de agressividade começou a tomar corpo e extrapolar os limites – pelo menos os meus – da educação e do respeito mútuo necessários para uma convivência numa sociedade saudável, como pesquisadora decidi observar os comportamentos e as atitudes. Com o tempo a percepção que eu tive foi a de que, independentemente do lado em que se estava, havia pessoas jorrando raiva e incentivando a manutenção de um campo cheio de agressividade, enquanto outras – a maioria, é sempre importante ressaltar – tentavam simplesmente se manifestar, debater e apresentar justificativas dos seus pontos de vista.
De alguma forma, senti essa agressividade bem próxima ao publicar o texto que aborda a situação que estamos vivendo no Brasil. Nele pedi uma autorreflexão sobre o nosso papel e a responsabilidade sobre a situação política do país. Salvo alguns poucos que conseguiram olhar para si, na quantidade de comentários que o post gerou, particularmente no Facebook, só encontrei agressões e provocações. Inclusive a maioria dirigida aos próprios comentaristas que, entre si, se atacavam. Sinceramente, nem sei quantas dessas pessoas leram o texto até o final e, muito menos, quantas o compreenderam.
Creio que vale a pena entender que não importa quem você defende – Lula, Bolsonaro ou nenhum dos dois –, qual a sua ideologia política – direita, esquerda, centro ou a que flutua entre elas –, qual a sua postura em relação à sociedade – conservadora, progressista ou moderada – ou, qual sistema econômico você considera melhor para o país – liberalismo, socialismo ou misto – ou, ainda, se você mistura tudo isso como se fossem uma coisa só; o que convido você a observar é qual tipo de cidadão você é e com quem deseja conviver: extremista ou alguém capaz de viver em sociedade num ambiente democrático?
Entendo que a diversidade, seja esta de ideias, de gênero, de raças, de classes econômicas e sociais, se sempre existiu, da forma como está posta hoje – à luz de todos – cria desconforto e medo para a maioria. Entendo que levaremos um tempo para aprender a conviver com essa pluralidade e perder o medo do diferente. O que não entendo, e me preocupa sua existência, são os extremistas e a agressividade que carregam consigo.
Estamos acostumados a associar os extremistas com a imagem de terroristas do Oriente Médio, e devo confessar que usei essa palavra de propósito para caracterizar, figurativamente, o que desejo transmitir. Para mim, de certa maneira, parte da raiz de um extremista do Oriente Médio – que carregam o fundamentalismo religioso como força propulsora – que mata pessoas pode ser a mesma de quem braveja raiva e busca “incendiar” o ambiente. A diferença, se pensarmos bem, pode ser o grau e o ambiente em que se alimenta ou não, a ideia de que se é necessário uma ação incisiva contra o “inimigo”.
As bombas podem não explodir – embora já tenha acontecido, como aquela colocada na frente do prédio da produção Porta dos Fundos –, mas, ambos os perfis podem carregar no seu interior, como uma semente, a mesma incapacidade de aceitar e conviver com outras visões de mundo. Por isso, devemos tomar real cuidado com a situação atual do Brasil: o perigo de nutrir uma semente que se torne uma planta venenosa para todos.
Muitas vezes, a incapacidade de aceitar o diferente deve-se à crença de que só a sua forma de pensar e agir é a certa e de que todo o resto é perigoso e, por isso, seu inimigo. Este é o problema: enxergar a vida como o campo de batalha de uma guerra em que existe um único vencedor. Esquecemos que, nas questões sociais, se só um lado ganha, todos perdemos. Somos um sistema social, não uma gangorra.
Termino o meu texto com as palavras que meu marido compartilhou no seu perfil no Instagram, tratando sobre a questão racial nos Estados Unidos de América e que podem se aplicar muito bem à nossa situalçao política: “Temos um vírus assolando a espécie humana e essa espécie insiste em não aprender. Insiste em se dividir para tentar ganhar de um lado enquanto o outro perde. Essa atitude bélica e ultrapassada (pelo menos para mim), só nos levará para o passado enquanto a vida nos empurra para o futuro”.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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