Em 2015 notei que as mulheres, de uma forma geral, estavam cansadas do embate constante com os homens e, ao mesmo tempo, de se sentirem sós – mesmo acompanhadas. O sonho do par romântico foi tão introjetado em nós que a ideia da vida a sós atormentava muitas das mulheres que entrevistei – vale aqui esclarecer que esse medo é, no mínimo, igual nos homens; a diferença é que a solidão não é uma questão: eles simplesmente não ficam sozinhos, independentemente da qualidade da relação.
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Após esse período, o pacto da vida amorosa a dois apresentou-se mais harmonioso, especificamente entre o casal heterossexual. Um novo contrato amoroso parecia ter se estabelecido. A mulher parecia mais paciente com o temperamento passivo do homem e ambos se mostravam dedicados a criar os filhos e dividir as responsabilidades.
O Homem Sensível, estereótipo que criei para apresentar o homem que via surgir a partir das minhas pesquisas, que tentava deixar para trás o modus operandi machista-broncão-comedor e se interessava em explorar suas emoções, foi um vendaval de esperança para todas nós.
Não faltou muito tempo para que aqueles homens sensíveis que carregavam em si o comportamento pernicioso machista voltassem a atuar descaradamente. Outros se sensibilizaram tanto que viraram quase filhos da mulher forte.
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De lá para cá estamos discutindo se vale a pena ou não ficar com um homem desse tipo. Por um lado, os movimentos sociais feministas, promovendo a reflexão do empoderamento feminino, pressionando para que as mulheres desenvolvam a autoestima necessária para que sintam que podem, de fato, escolher. E, item de extrema importância, busquem sua independência financeira – a possibilidade de renda própria dá maior autonomia na decisão.
Por outro lado, a narrativa do sonho romântico que coloca a nós, mulheres, como protetoras, organizadoras, educadoras e cuidadoras dos nossos homens. Soma-se a isso um mundo todo criado para ser dividido no mínimo a dois e o aterrorizante medo da solidão. Sei… no dia a dia é difícil aguentar tudo só.
Confiar que o próximo será melhor é uma esperança que vai além de nossa vontade racional e consciente. Queremos amar e ser amadas. Queremos um homem que nos apoie e que divida.
Mas há uma realidade clara que nos obriga a compreender em que ponto estasmos: somos frutos das escolhas passadas das gerações que nos antecederam. Os homens, na sua maioria, desenvolveram menos as questões emocionais e o autoconhecimento que as mulheres. Nós, mulheres, pela posição em que estávamos na hierarquia social, corremos pelas bordas, cortamos caminhos, viemos com a força da luta de quem não é vencedor. O resultado? Um desequilíbrio em termos de desenvolvimento humano entre esses dois gêneros.
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Muitos homens vêm se preocupando com isso. Vejo, pelos meus estudos, que aumenta o número de homens que começam a olhar para si e compreender o comportamento nocivo que o machismo estrutural introjetou neles – e em nós. Eles também querem uma relação mais saudável. O avanço é grande e sistemático. Mas, é claro, ele não atinge todas as camadas regionais e sociais deste vasto país. Na prática, assim como nós, mulheres, os homens avançam e recuam. Quando existe uma pressão social para manter o status quo antigo sob o pretexto de valores morais.
É difícil saber qual é o caminho certo quando se tem uma sociedade estruturada em um pensamento machista.
Nessa confusão que estão os valores da nossa sociedade, na qual fica difícil discernir o que é certo e errado, cabe a cada um olhar para sua ética e decidir qual caminho seguir. As mulheres, pelo que tenho observado, após um recuo para descansar e dar chance ao amor, voltaram a andar em direção a uma sociedade mais justa para elas. Cada uma da sua forma – direta, indireta, agressiva ou doce –, sabem que ficar no modelo machista de submissão, mesmo que sob a postura de cuidadoras ou “das que sabem”, as coloca no mesmo lugar de sempre. E isso a maioria não quer.
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Os dilemas do amor continuam e talvez sejam eternos. Ao mesmo tempo sinto que a mulher vem preenchendo seu universo com outros elementos que a tornam mais forte e segura. Um novo tempo mesmo para as relações. Vamos torcer para que os homens queiram e consigam acompanhar.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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