Tenho pensado bastante sobre as decisões, como as tomamos, por que as tomamos e as suas consequências. A pandemia da covid-19 não trouxe só a morte direta de milhões de pessoas ao redor do mundo – com todas as mudanças que a falta de alguém é capaz de causar no microcosmo social em que está inserido –, como também a morte real e simbólica de relações, formas de viver a vida e de olhar para si e para o mundo.
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A morte, no conceito de diversos povos nativos ao redor do mundo, costuma estar associada diretamente à vida. Recomeços que só se iniciam com o fim. O período pandêmico mostrou-se um acelerador desse ciclo. A pandemia tem nos afetado em camadas mais profundas do que queremos acreditar, observar e aceitar.
Para quem tende a refletir sobre a vida, no questionamento sobre a vida e o futuro, pode haver o desespero e consequente apatia de quem vê um horizonte vazio, infinito e curto ao mesmo tempo. Como imagino que esteja acontecendo com milhares de famílias despejadas por não conseguirem pagar o aluguel. A quantidade de barracas cheias de pertences – antes provavelmente alojados num lar, por mais simples que este fosse –, que invadiram as ruas de São Paulo, é uma prova dura disso.
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Também pode haver no questionamento sobre o futuro, o desejo de aproveitar a vida ao máximo, num olhar centrado em sua própria existência. O querer deixar a vida mais prazerosa. O medo da morte desperta em alguns uma sede pelo não vivido quase impossível de ser saciada. O sonho de que o pote de ouro está no fim do arco-íris tem permeado as decisões para romper com o estabelecido. Sonho que mostra, a quem já foi atrás dele, que o arco-íris não tem fim. Embora considere válido experimentar e descobrir por si só. É um belo aprendizado.
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Para outros, o questionamento sobre o futuro tem trazido para a superfície a busca pelo que é realmente importante para sua vida. Nesse grupo eu noto, pelo menos ao meu redor, o repensar sobre o ter e o ser. O velho e incessante dilema humano. Por que esse dilema existe?
Será que não conseguimos ser e ao mesmo tempo ter?
Para se ter mais, a menos que se tenha uma fortuna financeira considerável, teremos que jogar mais o jogo posto. O sistema econômico que rege o mundo define esse jogo. Quanto mais jogamos esse jogo mais – invariavelmente – nos afastamos de nós mesmos, até o momento em que perdemos a noção de quem realmente somos. Talvez para muitos isso seja irrelevante. Para outros, noto que, em tempos pandêmicos, o incômodo tem crescido.
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Mas como fazer para se sustentar? Para ter uma vida digna e prazerosa? Cada um sabe do seu ponto de equilíbrio, mas, como disse num texto de alguns anos atrás, diminuir o consumo – o ter – é o caminho que considero mais acertado. Sem renunciar ao consumo em excesso, dificilmente teremos liberdade. Todos sonham com ela. Poucos têm coragem de tê-la. É importante percebermos isso.
É claro que na reflexão sobre o futuro também há aqueles que continuam na busca quase incontrolável pelo poder. Bom, para esses, a pandemia talvez nem tenha sido notada. Ou, se foi, tenha se tornado uma fase para tirar mais proveito. Enfim, o mundo continua mundo com todos os tipos possíveis de pessoas.
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Mesmo assim, o que observo que tem crescido nesse período reflexivo que estamos vivendo, e que se iniciou bem antes da pandemia, é o desmonte do sistema de crenças que relaciona o poder e o sucesso à felicidade. Essa mudança estrutural, agravada pela pandemia, transforma a felicidade dando a ela novas formas, estilos, modos, categorias… Ainda estamos longe de entender para onde tudo isso irá nos levar. O que podemos afirmar é que novos tempos estão se estabelecendo. Por isso, minha pergunta final: como andam as suas decisões?
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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