Parece não importar como a mulher está – crescendo profissionalmente ou como dona de casa, jovem ou mais velha, com dinheiro ou ainda construindo uma situação financeira que lhe dê segurança – a grande maioria quer, muito, um companheiro na sua vida. Isso é uma realidade que o Projeto Mulheres trouxe de forma contundente.
Quando falo isso nas apresentações que realizo, a reação feminina, especialmente das mais jovens, costuma ser de discordância e incredulidade. Vejo nos olhos delas, um olhar crítico e censurador às minhas falas. Como assim uma mulher moderna querer um companheiro acima da sua liberdade? Cadê sua personalidade que a faz um ser autossuficiente? Cadê seu senso de independência?
Essas reações me levam a crer que dentro do estereótipo de mulher moderna que nós como sociedade criamos, desejar um companheiro, acima de muitas coisas individuais, é quase uma heresia. É abrir mão das conquistas femininas alcançadas. É quase uma ofensa para as mulheres que sofreram pela nossa independência.
Óbvio que essa mulher moderna, criada por nós, é mais uma forma de gesso – dentre tantas que a sociedade cria para dizer o que é certo e o que é errado. Quando compreendemos que a humanidade costuma evoluir por polaridades – fazendo em zig zag, um aspiral ascendente – e que cada polaridade qualifica a próxima etapa, pelo seu oposto. Assim, compreendemos que a figura da Amélia – dona de casa, que coloca a família acima dela, dependente, obediente e submissa – só poderia trazer como imagem aspiracional para as mulheres da geração seguinte, uma mulher sem um único nome e que é forte, independente, autossuficiente, que abre mão da responsabilidade da família. Neste caso, quando a possibilidade financeira permite, delega essa responsabilidade para babás, escolas, psicólogos e terapeutas de todos os tipos.
É também por causa desse forma de gesso, mulher moderna, que negamos tanto o desejo do companheiro perante os outros, especialmente, perante as outras. A sós, depois de uma hora de conversa sobre desejos, alegrias conquistas e dores, as mulheres chegavam, em sua maioria, a nos declarar o desejo do companheiro como quem manifesta um segredo, um pecado. Como se ele trouxesse a luz uma fragilidade feminina: ‘não sou forte o suficiente para viver sem um homem’ pareciam nos confessar as entrevistadas. Essa visão de fragilidade deve estar sustentada, provavelmente, pela crença, limitante em minha opinião, que mulher forte vive sem homem.
E aqui vale um aparte, ainda em minha opinião, claro, tornaria essa crença construtiva com o simples fato de tirar dela a palavra ‘forte’: mulher vive sem homem. Assim como homem vive sem mulher. Viver só, em solitude, não necessariamente está associado à força, mas a temperamento. Portanto, o contrário, viver em núcleo sociais menores como em família, tampouco representa fraqueza, não é verdade? Se meu raciocínio fizer sentido, então, porque acreditamos que uma mulher, plena nos seus atributos de sedução e atração, que vive sem um companheiro, é uma mulher forte? De onde vem essa ideia? Quais conceitos e crenças estão associados à ela? Por que fazemos uma associação tão intrínseca entre mulher moderna = mulher independente, e essa imagem no seu ápice = mulher só? Vamos lembrar das polaridades? da Amélia? Esse, creio eu, é um dos pontos dessa grande teia que formam as nossas crenças sobre o feminino, sobre a mulher moderna.
Irei discutir mais sobre essa grande teia neste blog. Mas agora gostaria de voltar para a forma de gesso mulher moderna e o que ela está ocultando.
O policiamento que realizamos socialmente para manter o novo mito de mulher moderna parece estar nos obrigando a mentir até para nós mesmas. Então, no discursivo, a bandeira da independência é levantada imediatamente. Nada contra. Mas, tudo contra quando isso é só fachada. Quando isso oculta um outro grande núcleo analítico que obtivemos no Projeto Mulheres: a tristeza e o cansaço que elas estão sentindo.
No Projeto Mulheres tudo está interligado na grande teia que construímos da essência feminina contemporânea. Um ponto interfere e mexe nos outros. De um lado, a mulher moderna – independente, feliz, forte, autossuficiente – e de outro a, simplesmente, mulher atual – triste, cansada, desejosa de um (bom) companheiro.
Há pontos positivos na mulher atual? Claro que os há! Muitos. Mas o mais forte que captamos dessa mulher foi o seu cansaço, o seu desejo de um bom companheiro e a tristeza que lhe causa, não conseguir isso com plenitude.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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