No post anterior (a força do olhar do outro) discorri sobre como a sociedade de Recife pode se tornar bastante vigilante e por isso chegar a ser castradora para a mulher. Como é difícil para as mulheres de lá viverem, nem digo suas próprias verdades, porque acredito que ainda estejamos no caminho de sabermos quais são, mas pelo menos de exercitar a busca por elas de forma livre.
 
Em São Paulo, por estarmos numa metrópole aberta para o mundo, e com maior dose de individualidade, esse exercício é mais permitido e até valorizado. Óbvio, dentro dos limites de uma sociedade que, como todas, impões valores e crenças por mais variadas que elas possam ser.
 
Embora Recife receba milhares de turistas todo ano, acredito que o motivo da viagem faz diferença na oxigenação de uma sociedade. As idas a Recife, pelo seu próprio papel de cidade turística, costumam ser para não ficar, para não criar laços. O foco é se divertir e desfrutar. Viver o que não se vive normalmente.
 
Diferente de uma cidade como São Paulo, na qual as pessoas vem para criar algum tipo de laço, por mais comercial que este possa ser, significa continuidade. Por isso, a forma de interagir é diferente. Ao criar laços, a troca de valores se torna mais ativa e, claro, isto afeta à cidade e sua moral.
 
Mas o que alimenta a cultura vigilante e moralista sobre a mulher em Recife? Um dos motivos, entendemos hoje, é a pouca ajuda que as mulheres se dão entre si para quebrar o círculo vicioso que as aprisiona.
 
A impressão que tivemos é que há, de certa forma, a crença de existir uma sina feminina. Entendemos que esta sina diz que ‘ser mulher é sofrer’. Que o sofrimento, assim como o sacrifício, faz parte do feminino. Herdeiros que somos da cultura latina, cristã, na qual ser ‘boa’ é sofrer e que o sofrimento pode ‘elevar a alma’, seria natural, como é, que essa crença ainda reverbere dentro de nós – todos nós.
 
O que torna esta crença particularmente vil para a mulher em Recife é a cobrança, mesmo velada, de que isto continue, especialmente pelas  próprias mulheres.
 
Não deveriam ser as próprias mulheres as que incentivassem a quebra desta ‘sina’? Deveria. Mas mesmo com o sofrimento que foi demonstrado, a maioria das mulheres relatou ter tido pouco apoio das mães ou de mulheres relevantes da sua vida.
 
Pelos relatos obtidos, compreendemos, que em alguns casos,  o motivo é uma raiva contida que se manifesta quando outra mulher é capaz de ter a vida que ela não teve. Em outros casos, é somente a crença forte que é esse o papel da mulher.
 
Seja qual for o motivo, está claro que a mulher ainda precisa recorrer um bom caminho até exercer o espírito de ‘classe’ que os homens conseguiram desenvolver. E nisto, há poucas diferenças entre São Paulo e Recife.