Algumas semanas atrás quando entrei no táxi quem estava me aguardando era Seu Adelson, um nordestino que mora em São Paulo há 41 anos. Evidente que a conversa derivou-se para os acontecimentos políticos das últimas semanas e em especial da passeata em prol do Impeachment, domingo 13 de março, que teve o maior número de participantes, segundo li, da história do Brasil.
Seu Adelson queria falar, falar muito, estava indignado, estava impaciente, estava, depois de um certo tempo percebi, com raiva. Só agora compreendo que ele estava era com dor. Uma dor profunda.
Seu Adelson veio para São Paulo como milhares de nordestino o fazem todo ano. Buscar um futuro melhor. Trabalhou duro, sol a sol para poder sair da linha da pobreza e poder educar seus filhos, oferecer uma vida melhor. Ele me pareceu aquele tipo de nordestino que encontro bastante em São Paulo que mesmo com o sotaque forte termina se distanciando das suas raízes e quando volta para sua terra, encontra pouca sintonia na forma de viver e na visão de mundo de seus conterrâneos.
A indignação de seu Adelson era pela perseguição, segundo ele, que estavam fazendo com Lula. Começamos obviamente uma discussão, ou melhor, eu tentava argumentar mas ele não deixava, ele me cortava, e iniciava um rosário de argumentações justificando meu ponto de vista por eu ser da “elite”. O desejo de que nenhuma acusação contra o Lula e a Dilma fossem verdade era tanta que quando eu disse que haviam fotos (falávamos sobre os objetos encontrados nos cofres pertencentes ao ex Presidente Lula que foram ilegalmente retirados do Palácio de Governo) ele me disse que tinham sido criadas.
Nesse momento, compreendi que era melhor deixá-lo falar e fazer algo que aprendi com minha profissão: ouvir com o coração. Ele me contou evidentemente emocionado que quando chegou antes do governo PT ele saía com o táxi e não havia passageiros. Lembrou de um dia em particular que ele tinha que pagar a faculdade particular do filho e voltou só com R$ 50 reais no bolso, desesperado. Como era difícil, como ninguém olhava por eles, os pobres. Depois comparou sua vida com os 12 anos do governo do Lula (não é do PT, mas do Lula), em que tinham comida na mesa, o filho se formou, fez inglês e hoje trabalha numa multinacional e nos próximos dias iria para Seattle trabalhar por uma semana. Falou que viajou de avião. Numa mistura de auto-piedade e raiva – por eu ser “rica” – ele me acusava de ter ído para a Paulista, por nunca ter vivido o que ele viveu e ao mesmo tempo, reconhecia que o PT “não serve” e que o Lula, “pode ter roubado um pouco, já que veio de baixo, já que ele nunca teve nada, se deslumbrou com o poder…” mas fez por eles, o que ninguém antes fez.
Ouvindo o Seu Adelson fui tomada pelo sentimento de compaixão e empatia. Sim, ele está certo, é muito difícil ser pobre e tentar mudar de posição. Embora viva numa bolha e saia pouco dela, minha profissão me faz frequentar o lado de fora da bolha. Me faz falar com pessoas de todas as rendas e me abre para um realidade que poucos queremos saber e conhecer. É fácil para quem tem o mínimo de educação e condições julgar que quem não conseguiu, é porque não se esforçou. Concordo que o esforço traz recompensas e que há muitas pessoas pobres que tem preguiça de trabalhar; por outro lado, também sei que é duro, muito duro sair da linha da pobreza com poucas condições culturais, nem falo sociais. Como explicar para quem nunca teve, ou teve pouco apoio, que vivia esquecido passando pobrezas e vivendo na limitação, que de quem recebeu oportunidade, rouba? Entanto seu Adelson falava na minha mente, tentava formular uma explicação para que ele, e tanto outros, entendam como é ruim esse tipo de ajuda, como a longo prazo, esse paternalismo é nocivo e corrói a economia de um país, mas desisti. Para quem não tem hoje, difícil falar do amanhã.
Sai do carro com uma convicção: precisamos lutar por um país menos corrupto, sim, mas é importante trazer para nós o desafio de ajudar e estender a mão dividindo um pouco daquilo que temos. Penso, por exemplo, nos salários que pagamos aos nossos funcionários, especialmente os domésticos. Queremos para nós aumento o tempo inteiro, mas muitas vezes pechinchamos valores que pagamos tranquilamente num jantar, numa só noite. Não que não seja justo o jantar, mas se todos fizermos um esforço para dividir, poderemos acelerar esse distanciamento entre as classes sociais. Como Maslow tão bem mostrou, saindo da linha da pobreza é mais fácil pensar no amanhã. A menos, é claro, que a distância entre as camadas sociais seja importante para nós, aí, o motivo é outro.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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