Anos atrás os nossos estudos apontavam o desejo das mulheres brasileiras em tirar suas máscaras, abrir mão de todos aqueles moldes de gesso que tinham sido colocados na figura feminina moderna – ser magra, bonita, bem vestida, poderosa, sedutora, sexy, inteligente, multitarefas, eficiente, independente, boa de cama e por ai vai. Aqueles moldes tinham se convertido em prisões. Para nossa surpresa obtivemos o mesmo resultado quando ouvimos os homens: um profundo cansaço do papel masculino que tinha sido herdado e que parecia não caber mais no desejo para o futuro. Foi nesse tempo que captamos nosso primeiro Movimento Humano que chamamos A Desestruturação.
Na época que discutíamos A Desestruturação, entendemos que tudo aquilo que maquiasse a realidade começaria a perder sua força. Como trabalho para a área de beleza, a associação lógica era a paulatina queda no consumo de maquiagem que na época estava em alta como tudo no Brasil pré-crise. Sempre tive a compreensão que o Movimento Humano A Desestruturação era mais profundo. As maquiagens que estamos desconstruindo chegaram a temas tabus como o nosso conceito do que é uma família, o que é um casal; estamos refletindo sobre o que é ter sucesso, o que é viver bem, o que é criar filhos, o que é ser empregado…
Tirar as máscaras significa distinguir entre o que nos pertence e o que foi nos colocado como padrão. A busca por algo mais natural, pode refletir o desejo de se saber quem se é e se distanciar dos estereótipos que representam estruturas e padrões que simplesmente não queremos mais, ou, não nos representam plenamente. Queremos mais liberdade e mais plenitude. O estereótipo, pelo contrário, estreita, limita, regula.
Quando o estereótipo da beleza é “inatingível” como diz Peter Lindbergh, o fotógrafo responsável pelo novo Calendário Pirelli 2017; a chance da frustração e baixa autoestima se instalar é grande, especialmente nos jovens que ainda estão na fase de autoafirmação, carregando para a vida, a busca pelo padrão irreal. Portanto, estamos falando da responsabilidade que carregamos quando promovemos este tipo de ideia.
Ao assistir o making of do novo Calendário Pirelli (veja no link ao fim deste post) que Bruno Astuto trouxe na sua coluna desta semana, com mulheres sem retoque nas fotografias, apresentando-as como elas são, é impossível não refletir sobre como é importante que marcas consigam entender seu papel nestes tempos de transição de valores sociais que estamos vivendo. Como é importante que usem todo seu poder para materializar aquilo que esta na alma das pessoas, que é sentido por elas mas nem sempre verbalizado, pelo simples fato que ainda estar sendo elaborado. Como é importante que as marcas realizem seu papel social em ser a ponte para a nova realidade que já está dentro de nós.
Junto com isso, considero que há um aspecto ético numa ação como que a Pirelli está promovendo com seu famoso calendário nestes tempos difíceis nos quais parece que o errado vence. Pode ser que agrade menos, que menos gente deseje obter o calendário e fique restrito a um grupo engajado. Que quem elogie nem lembre da Pirelli quando for comprar um dos produtos que vende; mas, dá um alívio imaginar que há marcas que correm o risco de tudo isso acontecer só pelo simples motivo de querer fazer a coisa certa e cumprir a seu papel social em prol de uma sociedade que se deseja.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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