Ninguém é só luz nem só sombra e poucas vezes esses dois lados estão equilibrados dentro de nós. Tampouco somos lineares na nossa forma de ser. Aliás, seria bem mais fácil se fôssemos assim, conseguiríamos resolver os nossos problemas sociais, familiares e individuais com maior rapidez. Não cabemos perfeitamente em nenhum modelo matemático de probabilidades, ainda mais nos tempos pós-Desestruturação, somos bem mais criativos do que a probabilidade é capaz de prever.
A verdade – ah! palavra pretensiosa – é que até onde sabemos, nós, seres humanos, somos feitos de tantas camadas e nuances, de tantos fios que se entrelaçam criados pelas nossas diárias micro histórias, pelo nosso DNA que carrega mais do que traços físicos e biológicos, pelos valores culturais em que vivemos, pela nossa espiritualidade que nos dá o espírito com que enfrentamos a vida… que todo esse material se entrelaça e cria tramas distintas e nem sempre previsíveis.
Como feitos dessa mistura rica e próspera podemos esperar que a coerência seja plena se a cada instante novas possibilidades se apresentam? Como esperamos que nestes tempos de transição em que perdemos modelos que nos guiavam e ainda e estamos construindo, no acerto e erro, novas formas de viver, saibamos o que vamos sempre fazer?
A coerência plena pode ser rígida demais para os períodos de transição em que experienciar novas formas se faz necessário, em que mudar a visão de mundo é parte da adaptação e sobrevivência para os novos tempos. Mas, não fiquem felizes os incoerentes inveterados, os manipuladores de imagem que em tempo de influenciadores digitais, desejam se apresentar longe da realidade, como parece ser o caso do músico Felipe Zancanaro, da banda Apanhador Só, que se viu confrontado com o discurso de equidade de gênero quando sua ex-companheira usou as redes sociais para denunciá-lo e mostrar seu lado oposto ao conteúdo de suas músicas.
A coerência saudável que acredito norteia estes novos tempos e nos traz tranquilidade e respeitabilidade é aquela que é harmônica, apesar das diferenças. Ela possui harmonia na sua formação, na sua origem, nas escolhas que fazemos, sem ser necessariamente linear, nem previsível. Não há rigidez. A harmonia que está nos compassos de nosso tempo permite mudanças de rotas, paradas estratégicas, alguns passos para atrás. Mesmo assim, cada trecho tem conexão entre si, o conjunto da obra, que é a nossa vida, faz sentido. Nestes tempos em que o público e o privado estão cada vez mais próximos entre si, escolher as coisas em que queremos ser coerentes faz, mais sentido, do que se colocar como arauto da coerência plena.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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