Ouvindo um amigo me contar da recente situação em que foi preterido num projeto por não ser mulher, e notando sua real indignação; pensava como é difícil, mesmo para pessoas com bom nível cultural, compreender positivamente, o momento de transição que estamos atravessando. Especialmente, se esse momento, bate na sua porta, com cara de prejuízo.
É importante que se entenda – ou se reflita sobre a seguinte afirmação – que em tempos de transição de valores e crenças sociais, todos estamos perdendo e ganhando de alguma forma. Na reorganização para o novo status quo, novas formas nos conduzem a novas posições. Alguns perdem mais, outros menos, mas todos estamos em movimento. Em momentos como este, uma visão holística, generosa e cívica do processo social, contribui com a positividade na forma de ver a própria situação.
Tem sido comum ouvir homens se queixando, direta ou sutilmente, da oportunidade e foco que está se dando às mulheres. Especialmente no mundo corporativo. Vi isso claramente num dos Diálogo Construtivo que conduzi só com homens numa corporação. Apoiados pelo diálogo aberto e acolhedor, profissionais que estavam num ponto de carreira próximo a Alta Direção, expuseram os incômodos com o movimento. Movimento que trazia um quê de injustiça. “Justo na minha vez?”.
A ação pela equidade de gênero – que apoio – tem a ver com entendimentos globais do benefício que a equidade traz. Não só para o mundo corporativo. Importante dizer, antes de prosseguir, que a maioria das corporações, ainda está na luta por entender e agir na equidade entre homens e mulheres. Falta incluir outros gêneros. Com toda a complexidade que isso irá implicar. Ou seja, temos um longo caminho pela frente.
Enquanto o status quo estabelecia que o homem teria o privilégio da vaga, pelo simples fato de ser homem; os homens não se importavam. E, acredito, não se importavam porque nem se davam conta desse privilégio. Era um privilégio adquirido que se misturava com a realidade. As coisas eram assim. Naquele tempo, com raras exceções, eram os homens que iam competir no mercado de trabalho. A luta era entre eles. Entre a competência e o favoritismo por indicação. Entre o mais preparado academicamente e o menos. A variável “ser ou não mulher” não existia. Assim como não existiam as variáveis “ser digital” e “ser da geração Y, Z…” e quantas mais aparecerem.
Já pensou nas inúmeras vezes que um homem ganhou a vaga simplesmente por ser homem? Foram séculos, que as mulheres vêm tentando ser avaliadas da mesma forma para as vagas disponíveis. Séculos. Lutando contra uma “realidade” que as colocava sempre em desvantagem. Agora, algumas estão tendo vantagens por serem mulheres. Será que não podemos pensar, olhando socialmente, que poderia ser uma forma de compensar tanta injustiça?
Estamos falando de poucos anos e de poucas empresas, que estão, realmente, buscando equilibrar seu quadro de profissionais, entre os dois gêneros. A maioria, ainda está na discussão e na pretensão. Os números mostram isso.
Ficou mais difícil de competir? Não tenho a menor dúvida. Mais variáveis. Mais dificuldade. Como disse no início, devido a comprovação do benefício da equidade, as empresas estão começando a priorizar as oportunidades às mulheres. Se se trata de equilibrar, qualquer um entende que havendo mais homens, será necessário colocar mais mulheres.
Um dos caminhos escolhidos para alcançar o equilíbrio são as metas. Levei muito tempo para gostar delas. Para me convencer que é a melhor solução porque encurta a curva de aprendizado. Se não colocarem uma política direta em prol da equidade, ela não acontecerá. É perfeita? Longe disso. Gera injustiças? Sem dúvida. Como todo sistema. Ou pensam que o antigo sistema de privilegiar os homens nas corporações, não gerou injustiças?
Meu amigo me dizia, que achava justo que as avaliações fossem por competência e capacidade ao invés de gênero. Esse seria o estado ideal. O sonho perfeito para mim e muitos que conheço. Com muito esforço, perseverança e resiliência, espero que cheguemos, algum dia, perto dele. Só que a realidade é outra.
Hoje precisamos de ações mais contundentes. Mesmo que se cometam injustiças. Mesmo que o melhor candidato não seja o eleito. Como antes, lembra? Há vieses inconscientes que nos guiam. Enquanto eles não estejam mais controlados, podemos continuar a escolher homens, pelo simples fato de serem homens.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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