Amar quem se é, separando, o quanto for possível, de quem se pretende ser ou quem a sociedade deseja que sejamos, é uma das bandeiras mais levantadas nas últimas décadas. Graças a esse movimento de libertação dos moldes estreitos e sufocantes que determinavam o que era o correto e bonito; estar fora do padrão estético – quase sempre limitado – da moda, deixar de ter o cabelo liso, vestir as roupas quase todas parecidas como se fizéssemos parte de um exército, estão fora de moda.
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Descobrir nossa personalidade e mostrá-la se tornou uma prova de segurança e autoestima bem resolvida. Para nós, mulheres, esse movimento tem sido libertador. Sabemos que o machismo e a violência doméstica, que é uma de suas mais agressivas consequências, encontram na baixa autoestima feminina um campo fértil para se desenvolver. Não tem como criticar que tratemos de nossa autoestima e que busquemos nutri-la sempre. A questão é que tem gente que anda confundindo amor próprio com egoísmo.
O amor é vivenciado quando é expresso. Por isso associamos tanto o amor ao cuidado, porque é uma das formas mais ternas de amar. Existe o amor que se expressa protegendo, mimando, orientando, apoiando, corrigindo… Amar é um ato de doação. Não poderia ser diferente quando nos referimos a amar a nós mesmos: devemos nos cuidar, mimar, orientar, apoiar, corrigir…
O ato de amar começa pela atenção, a energia que dedicamos ao nosso objeto amado.
Quando começamos a amar uma pessoa, costumamos ficar atentos aos detalhes, ao que gosta, ao que desgosta, ao que lhe faz bem e ao que lhe faz mal. Por que faríamos diferente conosco? Olhar para nós com atenção fará que tenhamos mais consciência de quem somos, do que nos faz bem e o que devemos mudar nas nossas vidas.
A diferença entre o amor próprio e o egoísmo é a incapacidade do segundo de ceder em prol do bem além do nosso. Nosso amor próprio passa, sim, por cuidar de nossos quereres, só que isso não significa a imposição deles sobre os outros. Pelo simples fato de que o nosso amor próprio termina na fronteira que delimita nosso ser.
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Podemos dizer que nosso corpo representa esse limite. O ambiente externo a nós é exatamente isto: externo. Portanto, é um espaço comum no qual a troca e as negociações se fazem fundamentais para o convívio saudável com os outros.
Tem gente que em nome do amor próprio quer sempre impor sua vontade desrespeitando os desejos do outro. Uma pessoa egoísta costuma se relacionar com pessoas com baixa autoestima. Embora esta não seja uma regra fixa, se pensarmos que o campo externo a cada um dos corpos – limites do amor próprio – é o campo das negociações, mesmo que esse campo possa se expandir, a porção que cada um consegue nessas negociações relacionais indica bem quanto é justa a relação e quanto somos, ou não, egoístas.
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Tenham em mente que se amar não significa impor a si próprio na vida dos outros – amor próprio significa autoconhecimento e cuidado, lembram? Isso não tem nada a ver com se impor. Aliás quem costuma se impor o tempo inteiro, marcando sua presença através de suas vontades realizadas, aparenta ter um problema de carência mal resolvida ou de uma infantilidade estagnada.
A maturidade em geral nos traz a capacidade de ceder sem dor e de fazer as nossas negociações com lucidez, equilibrando a balança eterna do tu e do eu.
Desenvolver, nutrir e manter saudavelmente nosso amor próprio costuma levar a um estado de satisfação – alguns talvez chamem esse estado de autoestima plena e outros, de felicidade. Estando-se satisfeito e com a autoestima plena, não há necessidade de marcar presença o tempo inteiro. Quem sabe quem é – e gosta desse ser que é – costuma exigir menos do outro o reconhecimento de sua existência; assim, o espaço comum fica mais leve e maleável.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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