A história é a seguinte: ele estava atrasado a caminho do aeroporto, administrando dois celulares e tudo que ficaria aqui em São Paulo, já que vai ficar no Rio durante a semana toda. Ao sair do táxi, em Congonhas, deu de cara com um homem que fica em frente ao embarque administrando o fluxo de carros e pedindo um trocadinho para os taxistas que não são dali, mas que acabam fazendo corridas com os passageiros que não querem encarar a fila oficial do aeroporto. Ao trombar com esta figura, ele pensou que o cara não deveria estar ali atrapalhando o fluxo e, ainda mais, com aquela cara de bêbado. Na correria do check-in esqueceu disso e lembrou de um dos seus celulares. Procura daqui, mexe dali, enfim, percebeu que havia perdido o aparelho entre o táxi e a chegada ao aeroporto. Como o taxista é conhecido ficou fácil ligar e perguntar se não tinha ficado no carro. Não tinha. Decidiu voltar à entrada do embarque para procurar, consciente de que as chances de encontrar eram mínimas. Procura pelo chão, olha em volta e, de novo, dá de cara com o mesmo homem. Um novo julgamento: “se ele achou, não vai me devolver”. Resolveu perguntar e o homem, prontamente respondeu: “Um de capa vermelha? Achei sim. Estava esperando alguém ligar para eu avisar”. E simplesmente tirou o celular do bolso e devolveu para ele. Simples assim. Meu namorado, sentindo uma bofetada no rosto depois de ter julgado o homem pela sua aparência, duas vezes, estava ali, diante de alguém que honestamente devolveu um objeto que lhe pertencia. Sem pedir nada em troca. Meu namorado ficou tocado com o gesto e agradeceu o rapaz, inclusive com uma bonificação em dinheiro (que em nenhum momento havia sido solicitada). Agora, o sonho dele, é voltar ao aeroporto e tomar um café com esta pessoa e conhecer sua história. Ele é assim mesmo: humano a ponto de julgar e sensível a ponto de ser humilde e reconhecerque erro ao julgar o homem. O senhor, ganhou um amigo para sempre.
Ontem meu namorado, que está a trabalho no Rio de Janeiro, me ligou empolgado porque tinha uma história para o blog. Disse que estava com o coração cheio de gratidão porque tinha aprendido uma grande lição.
Eu amei a história, mas tinha dúvida se seria assunto para nossas reflexões diárias. Normalmente começo a semana já com um planejamento de assuntos para falarmos. Volte e meia mudo de ideia, mas ainda não estava convencida se era o caso desta vez. Porém, hoje pela manhã, ao repassar meu dia, eu simplesmente não conseguia lembrar do assunto que havia programado, ainda que estivesse com a pauta anotada. Então, como uma voz interna, lembrei de uma frase que minha mãe adorava me dizer quando me encantava por meninos bonitos, mas não muito legais: “Por fora, bela viola. Por dentro, pão bolorento”. Então entendi que deveria falar sim, sobre aparências e como lidamos com ela. Às vezes nos enfeitiçamos pelo belo ou pelo material e ficamos tão enfeitiçados por isso que simplesmente não percebemos valores, princípios e as verdades dos outros. Deixamos nos levar, muitas vezes, até as últimas consequências, passando por cima, inclusive, dos nossos próprios valores.
O humorista Marcelo Madureira escreveu um artigo para a Veja em 12 de setembro de 2012, com o título “Vá Entender as Mulheres”. A capa da Veja daquela semana abordou o fenômeno da trilogia “Cinquenta Tons de Cinza” que estavam enlouquecendo as mulheres brasileiras (e de boa parte do mundo) naquele momento. Num texto bem estruturado e ao mesmo tempo divertido, ele narra o caminho que percorreu desde o momento que resolveu ler o livro, o constrangimento da compra e a surpresa ao ir avançando os capítulos e não encontrando nada da tal “sacanagem” que tanto havia empolgado o público feminino. Deixo o link aqui, caso você queira ler na íntegra a crônica dele, mas destaco a última frase:
Queria ver se o Mr. Christian se chamasse Agenor e fosse caixa de banco. Duvido que a Anastasia (nada a ver com o governador de Minas) iria dar todo esse mole pra ele.
Acrescentaria uma observação a esta conclusão do Madureira: queria ver também, se o senhor Grey não tivesse seu corpo escultural, seus olhos azuis e cabelos loiros, ou seja, a verdadeira tradução de um “deus”. conseguiria convencer a mocinha do best seller (e todas as mulheres do mundo) a passar por uma degustaçãozinha de uma relação submissa-dominador – por mais água com açúcar que fosse.
Tudo isso para dizer: às vezes, ao julgar pelas aparências, podemos perder um grande amigo ou até um grande amor. Coração aberto sempre ajuda.
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